Fé amolada, faca cega (III)

“Reparem que as mulheres de bunda bonita, mesmo quando estão de frente, estão de costas para nossos olhos. As mulheres de frente são mais inquietantes, porque são ‘sujeitos’ omc rosto e alma. Já as mulheres de costas aparentam um caráter mais passivo, mais ‘objetal’, diriam os filósofos. O desejo pelas costas é a defesa contra os perigos da vulva. A bunda é estéril; não inquieta como a vagina e seu mistério profundo.” (Arnaldo Jabor)

Fui educado para dizer “bumbum” e jamais “bunda”, que, para além da etimologia, apresentava feições pornográficas segundo a moral vigente no início dos anos de 1960. Até hoje, ainda existe nesta plagas certa dificuldade para lidar com o termo, derivando-se para eufemismos, nádegas ou traseiro, esse último usado ad nauseam  nas traduções, livres ou não, de filmes americanos (versão brasileira Cine Castro/Herbert Richers/Álamo), seguido de preconceito com os que têm excesso de peso. Há séculos, os telespectadores ouvimos o chefe de polícia da capital ou o xerife (com aquela estrela imensa no peito) da cidade interiorana dar o comando para o subordinado entretido com os indefectíveis saquinho de batatas fritas e latinha de refrigerante: “Levanta esse traseiro gordo daí e vá à luta, seu palerma”.

Após uma finta no meu rival, com que escapo da facada, largo minha faca e acabo o duelo sem vencedor e vencido. Basta de percor.

http://www.fotolog.com/gunta/10380924/
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Inflexão. Em face de outras armadilhas sedutoras preparadas pelo Rubem Fonseca, estico um tico o  A grande arte, não mais  enaltecendo no livro a técnica de descrever o jogo do matar requintado, rigor científico. Opto dora em diante pelo que fulgura no mundo e, desejando na outra ponta cadeia, e cadeia brava, para estupradores, passo a reverenciar o que reverencia o escritor genial:

“(…) Mônica tirou o quimono e começou a dançar como se tivesse um leque nas mãos. O corpo de Mônica era tão perfeito e os seus movimentos tão naturais que ele, deslumbrado, não conseguia tirar os olhos dela. As nádegas de Cila! Nádegas, nates, nática, natura.

“(…) Os músculos dorsais se delineavam formando uma reentrância vertical por onde corria a coluna vertebral, terminando na cissura que separava os firmes glúteos. Aquela parte do corpo podia, como nenhuma outra, representar a decadência, a fragilidade, a feiúra do corpo, ou então a beleza, a energia, a fartura.

“Com exceção de Cila, ele sempre encontrara, em maior ou menor quantidade, espinhas, caroços, asperezas nos traseiros que contemplara e acariciara. Delicadamente passou a polpa dos dedos na pele morna e acetinada. Separou ternamente os dois rijos hemisférios musculares e admirou o rego claro, a penugem dourada iluminando o esfíncter rosado. Lembrou-se do imenso campo de girassóis a desaparecer no horizonte, que vira em sua primeira viagem à Espanha, quando ainda era adolescente. Logo, povoaram sua mente imagens de Goya, em Toledo.”

 

 13 de julho de 2015

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mmsmarcos1953@hotmail.com

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