Memórias/Memorialistas (XLVIII)
Desde o último 6 de março, dia do meu aniversário, encontrava-se abandonado o tópico das recordações, as minhas e as dos outros; a rigor, muito mais as deles do que as minhas.
Um dos contadores de histórias deste blog, participante revel, é o Pedro Nava, o maior memorialista brasileiro,.
O voo é longo, com destino a passado remoto; iremos triscar nos tempos da primeira grande guerra, por volta de 1915, mas sem nenhuma referência bélica.
Mais ou menos. Há beligerância, sim, no relacionamento entre o Nava e os seus cúmplices do Colégio Pedro II, de um lado, e o professor de inglês, do outro, o Pissilão, cruel apelido do professor que não conseguia pronunciar o Y, letra, aliás, que veio de ser ressuscitada pela nossa (deles) ainda não aceita reforma ortográfica.
Colégio Dom Pedro II – RJ
“… junte-se à sua rabugem ferruginosa o que ele possuía em matéria
das desgraças físicas que tornam a velhice tão repulsiva – ai! de nós – aos olhos dos que vão ficar como nós, se chegarem até aqui. Pois o nosso Pissilão era horrendo, em roda. De frente, impressionava logo sua cara amarrada, a cabeça quadrada, a pele morena e oleosa, o largo nariz cortado de lado a lado por velha cicatriz exuberante. Conservava as sobrancelhas e o bigode quase pretos e tingia mal mal os cabelos e o cavanhaque que ficavam de um amarelo sujo depois de passados por uma dessas loções apregoadas para caspa e revigoramento do couro cabeludo mas que no fundo servem
para disfarçar as cãs da velhice envergonhada, coitada! Traída, como no caso do nosso mestre,
pela testa boursouflée de pré-cadáver, em cada lado da qual enrolavam-se as serpentes simétricas das artérias temporais mostrando que a sentença estava lavrada e o dono daqueles vasos contado, pesado e medido (…)”
O escritor mineiro, encantador de serpentes pela força sedutora de suas palavras, “vinga” todos os alunos de todos os colégios do mundo e continua a destruição do mestre da disciplina inglês que não conseguia falar inglês. Nesse livro 3 de suas memórias, Chão de Ferro, sobre o qual estamos debruçados, aprendemos que o bullying com os professores não é coisa surgida em nossos dias, o ataque já acontecia no início do século XX, dando para imaginar os comentários que o memorialista faria sobre as perucas ou os cabelos acaju de boa parte dos nossos respeitados parlamentares federais, estaduais e municipais.
“(…) Sua boca funda e desornada tornava impossível o seu
tieitch e os that, those, this, the – viravam lá nele emzét, zôze, zis, zi. Em vez dele nos perseguir (…) nós é que o escarmentávamos pronunciando as linguodentais que ele não conseguia emitir. De pura safadeza pedíamos que ele nos explicasse a sentença corrente – I tell you that that that that you see here is a pronoum – para vê-lo zezailá de modo penoso zétzétzétzét – numa chuva de perdigotos e películas de charuto. O velho arfava num sorriso lívido. De suas pálpebras de mandarim vinha o fiapo dum ódio negro. Sabia mas não podia mostrar que sabia porque, senão, tinha de se olhar de frente, e no espelho que nossa malícia lhe apresentava. Disfarçava. Mas, também, não nos poupava! e estava sempre de boca pronta para gritar: zero! e zero, agora, bem pronunciado, gostosamente dado. Aos nossos repelões de mau humor, olhava por cima dos óculos. Dizia: olha, nhonhô, eu aqui enchino ingleix; educação é em casa, com a mamãe. Percebia-se o puta-que-pariu recalcado. Com a mamãe. E descomprimia-se mais, juntando o zero de comportamento ao zero em aplicação.”
Na próxima postagem, a qual sai jazinho, veremos a capitulação do professor após mísseis Tomahawk disparados pelo aluno bilingue e solerte.
#Pedro Nava #Chão de ferro #Colégio Sion #Dad Squarisi #Correio Braziliense #Medicina Legal #Professor Pissilão
03/06/2017
(247)