Memórias/Memorialistas (XV)

Estabeleço conexão com o final da postagem anterior e prossigo minha viagem no tempo, quatro décadas e caqueirada atrás, para salientar pedaço da orelha (epa) do primeiro tomo das memórias de Pedro Nava, Baú de Ossos,. “… o livro mais importante publicado no Brasil em 1972.”

http://bassani.wordpress.com/2013/08/07/licoes-sobre-a-vida-o-universo-e-tudo-mais/
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Francisco de Assis Barbosa, o autor de tal declaração categórica e abalizada, entremostra todavia as dificuldades a ser vividas pelos leitores da obra introdutória. Um emaranhado de nomes distribuídos pelos milhares de galhos da árvore genealógica do tamanho de toda a floresta amazônica, certamente já objeto de estudos por meu amigo Pedro Carrano, mineirinho também e uma das maiores autoridades em genealogia do país, além de ficcionista de saborosas, verdadeiras (?) histórias de amor.

http://dacadeirinhadearruar.blogspot.com.br/2011/06/ladeira-do-suspiro.html
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O título dá impressão de que a coisa seria dura de roer, malgrado o encantamento com a leitura depois do esforço no sentido de se contextualizar. À medida que vai referenciando a família enorme, o Nava disseca (o termo não é gratuito) um por um dos parentes e aparentados, retratando a personalidade e o caráter (bom e mau) de todos, para o que alia a força de legítimo senhor das palavras e dos neologismos com a expertise de médico que, sem ser legista, houvera assistido centenas de necropsias..

Aguardo ensejo para chamar à colação o segundo volume, que o nosso resenhista acima nominado propagandeara no mesmo espaço de capa/contracapa “… Baú de Ossos veio dar uma nova dimensão à memorialística brasileira. E a sua continuação, com Balão cativo, virá confirmar o prognóstico de que estamos diante de um verdadeiro monumento literário, desses raros monumentos que se levantam de cem em cem anos.”

Enquanto isso, evisceramento….

“Minha tia desabafava à hora do café, em casa da Inhá Luísa, com as irmãs. O Constantino me traz num tipiti. O Constantino tem me posto num verdadeiro torniquete. O Constantino vive me fustigando. Claro que a fustigação não era física e não passava da velha e conhecida crueldade mental. Quando ele se casou, as cunhadas tinham uma dez, a outra cinco anos e a terceira estava por nascer. pois não é que o homem  fustigou-as a vida toda com sua cerimônia e dando-lhes  senhora dona?  Dona Hortênsia, Dona Diva e Dona Risoleta. Elas lhe mandavam de volta, pela frente, Doutor Paletta e pelas costas, o clássico Bicanca. Não sei o que me passou pela cabeça e num 14 de outubro expedi-lhe, de Belo Horizonte, um telegrama de parabéns. Fustigou-me  com a resposta distante e glacial.

“Ao distinto sobrinho Doutor Pedro Nava, o Constantino agradece as felicitações enviadas.

Foi o primeiro e último telegrama que ele recebeu de mim. À merda… O torniquete, o tipiti, a fustigação de minha tia era tudo por causa do ciúme. O homem era um Otelo, só que em vez de matar, chateava. Passava dias aporrinhando a mulher e rosnando de manhã à noite que havia de aniquilar o Barbaças. O  Barbaças era meu avô, seu sogro torto e que a mulher queria como a um pai. Esse cozinhar em água fria durou a vida toda. Nasceram filhas, casaram filhas, vieram as bodas de prata, nasceram netos, chegaram as bodas de ouro, enfim os bisnetos e era o mesmo inferno dos primeiros dias. Industriada por minha avó, tia Berta , que era bem sua filha (…), resistiu sempre como uma cidadela, palmo a palmo, pirraça por pirraça, desaforo por desaforo, dureza por dureza, tipiti por tipiti e torniquete por torniquete. Até que a velhice e o enfisema do cônjuge permitiram que ela contra-atacasse e pudesse, por sua vez, fustigar o Constantino. Claro que a fustigação nunca foi física e ficou para sempre nas fronteiras da crueldade mental. Mas exercida com técnica de Pinto Coelho e os requintes da desforra.”

Sabe-se, são muitos os personagens na cena dirigidos por nosso diretor de Juiz de Fora. Mas o Constantino vai estrelar também o próximo tópico de recordações.

 

27 de agosto de 2014

(086)

mmsmarcos1953@hotmail.com

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