Obsessões musicais (II)

De Chapecó, muito já se falou nesses dias e mais ainda se falará. Afastando-me um pouco da órbita das notícias e comentários, abalizados ou não, acerca da tragédia, e tentando amenizar o que não se pode amenizar, evoco antes do mais a imagem da Maitê Proença.

Assumidamente ignorante em assuntos de futebol, a linda atriz declarou em edições pretéritas do Extra ordinários, programa esportivo das noites de domingo no canal Sportv, que Chapecoense é um nome engraçado e muito simpático. Botafoguense delirante (a exata acepção do vocábulo neste trecho vocês escolhem), veio de confessar ao público telespectador que a partir dali passaria a torcer também pelo clube catarinense.

Não, ela não é nenhum Mick Jagger, nenhum pé frio. Ao revés. Tenho que a admiração precedente (digamos) e espontânea da escritora de bons livros pelo time de camisa branca e verde consistiu em preparação de um quadro que, em novembro de 2016, iria reclamar atenção, afeto e solidariedade. Daí eu propor que a Maitê devesse  ajudar aquela gente sofrida e pesarosa nestes momentos terríveis viajando episodicamente a Santa Catarina para participar de iniciativas que objetivem reconstruir as bases da agremiação e até do próprio município, cuja população saiu da euforia para a tristeza profunda.

Na Colômbia, o avião despencara dos ares para se espatifar na terra, num pedaço de mata encharcada. Em outro acidente, ocorrido em fevereiro de 2001, radar sofisticadíssimo poderia acusar outro tipo de aeronave. Nos céus de Angra dos Reis, voava um ultraleve que infelizmente não era um hidroavião. E o piloto, que morara em Brasília um bom tempo, era, e felizmente ainda é, cantor e compositor de músicas marcantes. Uma delas…

Por Trás da Canção conta a história do surgimento e consagração de determinada música escolhida como tema dessa que é uma das atrações do canal Bis. Como se fora roteirista do programa, o titular do site Pensador Anônimo reporta entrevista dada à revista Vinho Magazine pelo líder dos Paralamas do Sucesso.

“Certa vez, saí com minha namorada para jantar. Sentei na moto, ela começou a conversar, mas pedi que ela não falasse mais nada, porque estava com a melodia e a letra na cabeça. Quando chegamos ao restaurante, em Ipanema, o garçom veio saber o nosso pedido. ‘Papel e caneta, rápido’, foi o que eu pedi. Naqueles dez minutos de moto, da minha casa até o restaurante a música foi composta’, disse o compositor.”

Aludido site prossegue nos seus registros

“A letra fala sobre as mulheres dos pescadores que saem para pescar e nem sempre voltam para casa. O risco é frequente e as mulheres ficam aflitas, rezando e torcendo para que possa ver seu marido de novo.
Para essas mulheres a noite é longa e , mesmo sabendo que todos os dias   a mesma rotina, o medo sempre está presente. Essas mulheres ficam nos faróis, esperando seus maridos.

“O nome Lanterna dos Afogados vem de um capítulo do livro ‘Jubiabá’, de Jorge Amado. O capítulo retrata o bar Cais do porto,
onde as mulheres dos pescadores esperavam os seus maridos com lanternas,
para ajudá-los a achar o caminho certo.”

As pesquisas e observações se mostram corretas. Em outro blog, Rebobinando Memória, de Marcos Mariano (xará, eu coincidentemente já ia de Gal Costa),
de par com a referência à origem da composição, consta uma resenha da letra. Desde o acidente de 2001, esses versos ficaram encasquetados na minha mente. Porém, nas águas das metáforas subsumidas na obra, uma sacação premonitória.

Poética dilacerante, o Herbert Vianna como que nos antecipa a queda do ultraleve, num voo do piloto simultaneamente mergulhão e peixe pego pelo bico. No mar insaciável, o compositor desesperado vira a tarde escurecer sem que ninguém o ouvisse, nem mesmo sua mulher, a quem ele esperava e pedia para não demorar.

LANTERNA DOS AFOGADOS

Quando tá escuro
E ninguém te ouve
Quando chega a noite
E você pode chorar

Há uma luz no túnel
Dos desesperados
Há um cais de porto
Pra quem precisa chegar

Eu tô na lanterna dos afogados
Eu tô te esperando
Vê se não vai demorar

Uma noite longa
Pra uma vida curta
Mas já não me importa
Basta poder te ajudar
E são tantas marcas
Que já fazem parte
Do que eu sou agora
Mas ainda sei me virar

Eu tô na lanterna dos afogados
Eu tô te esperando
Vê se não vai demorar

Uma noite longa
Pra uma vida curta
Mas já não me importa
Basta poder te ajudar
Eu tô na lanterna dos afogados
Eu tô te esperando
Vê se não vai demorar

 

03/12/2016

(221)

mmsmarcos1953@hotmail.com

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *