Raimundo Fagner – Irmãos Torres (II)
Sou a avenida cheia/De gente rápida e feia/Sou colorida inteira, concorrida e meia/Sou diariamente a dor que me passeia/A dor que me anseia ser/Particularmente rua
(Santo e Demônio, de Raimundo Fagner e Ricardo Torres)
A vida é didaticamente interessante.
O Ricardo desfilava num karmann guia TC azul turquesa (que inveja) nessa época, portanto antes, muito antes de ele entrar para a Faculdade Dulcina, onde se tornou destacado professor de artes cênicas durante um bom tempo. Saliento que o também diretor de teatro tinha (ainda tem?) como seu parceiro o aluno Déo Garcez, em cuja companhia a Tereza Padilha há mais de década se largou para São Luis-MA no intuito de visitar a família do futuro ator maranhense, numa viagem de baú de mais de trinta e seis horas Setenta e duas horas se contarmos a volta, que se deu pela mesma via e pela mesma rodovia (o povo do teatro sofre). Agora, o outro irmão, o Roberto.
A vida é duramente irônica.
Em 1971, o Roberto abriu sua residência – aquilo não era ap, era residência -, para um grupo de cinco (seriam seis?) concurseiros (naqueles primórdios, já existia essa turma aguerrida, da qual eu fazia parte). Mergulhávamos nos estudos através de concatenada leitura das apostilas espalhadas na mesa de banquete da sala menor; quatro logramos aprovação, o Roberto em segundo lugar. O notável é que o Ricardo e o pai dele, seu Laurindo, quando fizeram também a prova do Banco do Brasil, cada um na sua época, passaram ambos em primeiro lugar.
Sou um cara de pouca sorte no jogo (acho que no amor também). Numa rifa de dez números, se adquiro nove bilhetes, no sorteio vai cair exatamente a bolinha com o número que não comprei. Deu-se no entanto que, carente de recursos humanos (em 1971; hoje, parece que está menos pior), o Banco Central pedira emprestado ao Banco do Brasil o “passe” dos cem primeiros colocados em seu concurso. O banco comercial público não acolhera o pleito da autarquia. Concordou em liberar, do rol de classificados(as), quem ficara entre o 101º e 200º lugares. Como passei na 153º posição, fui pro Bacen (para uma trajetória de 42 anos e 6 meses), ganhando mais do que os craques que, muito melhores naquele certame, remanesceram no BB.
O cantor cearense, talvez por modéstia, não registrou na matéria jornalística de início citada que o Roberto, igualmente músico, fizera uma música em sua homenagem, “Tema de Fagner”, num inglês simples de um compositor jovem nos seus dezenove/vinte anos, mas bem além dos meus sofridos conhecimentos da língua da terra da rainha, agora separada, sem o UE nas placas do Bentley, do Rolls Royce e da carruagem. Uma coincidência (ou duas): a mulher do Roberto era minha colega de Bacen e o casal fora morar exatamente na Superquadra Sul 102, no bloco A, emendado no bloco B (o daquela postagem “Lady D’Abranville”), em cuja garagem comum aos dois prédiios o Roberto entrava e saía com seu jipão azul, não sei se Toyota ou Land Rover.
Vale um post-scriptum, o “P.S.”, que em priscas eras fechava as cartas manuscritas e enviadas pelo correio.
A vida é discretamente charmosa.
O irmão caçula, se a memória não faz troça de mim, era o Rogério. Me foge o nome da mãe desse trio aliterado (Ri-Ro-Ro), verdadeira matriarca a dominar de forma insinuante os quatro moradores daquele castelo de vários aposentos localizado num bloco da superquadra sul 114, irmã da não menos célebre 308 Sul.
26 de junho de 2016
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