Dr. Farani (III) 

Caraca! Lembrei e retifico o que eu afirmara no item anterior. Houve, sim, uma vez em que me jogaram no pelourinho, que, infelizmente, não é o da baiana Salvador cheia de turistas o tempo todo.

Atento ao método preparatório do enfisema pulmonar – incubado, até então, no ovo da serpente -, meu pai pela bilionésima vez naquele dia queria fumar e, nessa época do início de minha adolescência, fumava-se em qualquer lugar, inclusive no quarto de dormir, com a porta fechada, o que resultava numa madrugada inteirinha de “ar puro e agradável cheiro de nicotina”.

Para acender o cigarro, ele tinha fósforos, tinha uma das quatro bocas do fogão (cinco era luxo) com panela fumegando. Nem cogitou, obliterado. Esquadrinhava todos os aposentos do apê (606, bloco C, SQS 306, que não era grande nem pequeno, 130 metros quadrados, pouco mais, pouco menos), andando pra lá e pra cá, testa suada que crescia nos momentos de raiva. Nossa poeta Norma desferia cada plaft  (ou lept, onomatopeia de nosso uso caseiro) naquele promissor começo de careca; o homem ficava uma bala nervosa mas, curiosamente, dava ousadia para a filha externar tão insólita manifestação de carinho.

Aquele reboliço, que o deixara ofegante e quase apoplético, nada mais era do que caça ao extraviado Dunhill, de cujo paradeiro minhas irmãs e meus irmãos, à medida que iam sendo inquiridos a respeito, hesitantemente confessavam nada saber. A rigor, tratava-se de mentira fraterna, não muito exitosa conforme se verá.

http://coleccoes.grandemercado.pt/lisboa/isqueiros-e-caixas-de-fosforos/isqueiro-dunhill-us-re-24153-459751.htm
http://coleccoes.grandemercado.pt/lisboa/isqueiros-e-caixas-de-fosforos/isqueiro-dunhill-us-re-24153-459751.htm

Enquanto procuro o fluido e a pedra para poder usar o valioso isqueiro de ouro, iluminando e aquecendo esta postagem, conto para vocês que, no papel de pequeno garimpeiro urbano, eu tivera a sorte de achar havia uns seis meses a jóia (prontamente expropriada ao menino sortudo), meio escondida no chão de barro (cadê a terra vermelha de Brasília?), na Festa (Feira?) dos Estados daquele ano (qual mesmo? 1965? 1966?), logo no primeiro dia. O congraçamento junino, puta fogueirão de metros de altura, comidas e bebidas genuinamente regionais, arrefecia o banzo dos pioneiros e era realizado na Entrequadra Sul 106/107, tomando toda a vasta área acima do Cine Brasília das saudosas sessões matinais de domingo. Bombava, bombava sempre, lotação máxima, pois todos os habitantes da Capital Federal para lá acorriam apesar do vento cortante, do frio que impunha respeito. Ninguém ficava em casa.

Vamos reencetar a história do meu pai travestido de feitor honorário do filho em nome da “avançada pedagogia”, anunciando-se o Dr. Farani prontinho para entrar em cena logo depois.

 

21 de agosto de 2014

(084)

mmsmarcos1953@hotmail.com

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