O seu futuro está em você (IV)

“Cada pessoa é um mapa. Uma ruga pode fazer parte dos diversos afluentes de um corpo. Basta um sorriso para encontrarmos manancial. Cada curva relata um caminho. Olhamos e logo delineamos quem é. A impressão da primeira vista que fica, é justamente esse traçado. Esboçamos um palpite e logo vem a forma que guardamos, na tentativa de compreender aquele território desconhecido, embora visto. Existem muitas maneiras de territorializar o outro, assim como desterritorializá-lo, a partir de nossa própria condição de estrangeiro, estranho àquele .”    (Bruno Azevedo, ensaio – T5102776 – em Recanto das Letras)

Pelo vidro da janela da divisória, um pouco parecido, só que bem maior, com o daqueles biombos de clínica radiológica, avistavam-se homens pateticamente dispostos uns ao lado dos outros para o reconhecimento de praxe. Nós os víamos mas eles não nos viam. Algumas vezes e à falta de detentos em número suficiente, policiais e servidores da delegacia são deslocados para compor o sinistro pelotão como se fossem facínoras, diminuindo-se pretensamente a margem de erro na identificação a ser feita pela vítima que formalizou a ocorrência e ou pelas eventuais testemunhas.

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Com certeza, não se tratava da famosa Síndrome de Estocolmo. No vertente episódio, o tempo de convivência entre agressor e agredida não dera azo à vassalagem e admiração que muita vez se formam e se desenvolvem nesse estado psicológico deletério. Ainda suando frio, Mariana olhou, olhou, fraquejou, titubeou e disse para o agente que dois daqueles infelizes espalhados no arremedo de palco, um mais do que o outro, lembravam-lhe o assaltante. Por tal método de mirada e igualmente aflito, perscrutei a dupla apontada, revelando-se-me fisionomias sem nenhum traço comum de pessoas assemelhadas.

Inferi que, dominada pelo pavor, vivendo o pós-trauma, falida de memória fotográfica (ou de coragem), minha filha cuidava de concluir logo o procedimento e dar os trâmites por findos. Dessa maneira, livraria o “meliante” – o que mais chances tinha de ser o ativo personagem do roubo – espancando (sem trocadilho) com isso as agruras de uma noite de interrogatórios e possível justiçamento.

Pedi ao delegado de plantão me autorizasse levar uma palavrinha ao quase liberto, no que fui atendido, não sei se por minha condição de pai ou de advogado. Não bastasse minha porralouquice com os cachorros, fui ao rapaz detido e lhe disse: “Olhe bem pra minha cara, que é pra você não esquecer dela. Porque eu vou fazer o mesmo com você e guardar bem a sua. E, se eu tomar conhecimento de que você andou rondando a 707Norte e redondezas, vou chamar a polícia e aí não vamos mais precisar nem de identificação.”

Se era mesmo ele o assaltante, nunca o saberei. Só sei que, após esse meu desvario, a coragem que provém do medo, nunca mais fomos importunados.

 

28 de março de 2015

(123)

mmsmarcos1953@hotmail.com

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