Poemas de um piauiense desgarrado
Não sou muito chegado a poesia – ainda mais numa hora dessas (obrigado, Veríssimo). Que me perdõem os artistas do verso: numa feira literária em que por exemplo se permita troca (inclusive de figurinhas; meu álbum da Copa esta evoluindo e já tenho muitas repetidas para repassar a minha segunda neta, Sophia, de sete anos), entrego cinco livros de poemas por um de prosa. Orgulho-me de possuir razoável biblioteca, coisa para mais de mil volumes, mas pouquíssimos são de autoria de poetas. Sem embargo…
Zé Rodrigues, meu colega de Bacen e o maior divulgador vivo das inúmeras virtudes que ele diz existentes no Piauí, lavrou dezenas de poesias. Apresento-lhe uma delas.
RETRATO DE MULHER
Vi teu quarto de hotel, poeta,
em que, guardados, teus pertences
– em grito uníssono e silente –,
calavam palavras na goela.
Naquela imensa quietude
despontavam, desde teus vícios
– talvez mínimos, talvez lícitos –,
té tua verve, maior virtude.
Na parede poema curto
não esquece o pai (talvez severo)
ao perguntar (talvez incerto):
“e agora … que dirias tu?”
Um livro aqui, outro mais à frente …
livros, como o poeta, velhos.
Mas … que digo? Que despautério
livros não envelhecem … são lentes!
São as lentes do tempo vetusto
que, sabiamente, os condena
a serem guardiões, mecenas
do saber … quão astuto és, Saturno!
Lá, um caderno de anotações …
como as quis ler meus olhos ávidos
por saberem que versos cálidos
puseste ali em mil solidões.
Sim, mil solidões externam
cada canto daquele quarto.
Ali está, mesmo ausente, o bardo
que, em sua solidão, ali hiberna.
Teus óculos, mais adiante,
sedentos por boa leitura
buscam, talvez, a amada lua
(será que sabem que é minguante)?
Sei que querem ser portadores
de luz p’ros olhos de seu dono.
Ó dor … “ele jaz no abandono
– disse-lhes –, já da vida e amores”.
Olhei a parede e vi um retrato
encimando-te a velha cama.
Retrato de mulher … de u’a dama,
dona do reino ali guardado.
Aquela mulher … quem seria?
tua doce e desvelada mãe
a cuidar-te das cãs brancas
mesmo que à tua revelia?
Não, mãe não é, decididamente!
Não é maternal sua postura
e seu olhar não tem a candura
que flamejam daquelas mentes!
U’a irmã, curioso, pensei,
das que adotam o irmão por seu filho
e urdem-lhe um sucesso esculpido
por suas mãos, tornando-o lei.
Não, irmã não é, decididamente,
Pois que fraternal não é seu olhar
(mais parece querer tocar
que apenas ver teu corpo ausente)!
U’a amiga, pode ser u’a amiga,
daquelas nossas confidentes
de nossos corações e mentes,
de quem tiramos sexo e vida.
Não é amiga, decididamente!
Vê sua postura … tem vida!
Vê sua alça no ombro caída!
Não, não … seu olhar não é complacente.
Mas … que mulher seria aquela?
Só me resta pedir ao Olimpo
– dono de favores infindos –
que me deslinde esta querela.
Meu cérebro então, em efervecência,
num segundo subiu-lhe o cume
e deparou esplendor que infunde
medo, admiração e reverência.
Fui saudado por Afrodite
– bela boca carnuda e rósea,
cabelos de néctar e ambrósia –
que, amorosa e sensual, disse:
“Tolo mortal, que aqui tu queres
se teu olho te diz a verdade?
Vai e observa de novo a beldade …
retorna aos domínios de Ceres.”
Num átimo, ao quarto à minha frente
tornei, já do Olimpo esquecido
e aquele retrato aguerrido
continuou a me fitar, fremente.
É u’a bela mulher com certeza
que, em suave olhar de soslaio,
nos torna, então, humildes lacaios,
Súditos de sua beleza.
Onde, busquei, está seu sorriso?
Decerto, só p’ra ti guardou
e o tempo, p’ra sempre, o levou.
Mas, sei, decerto era bonito.
Seus ombros, levemente desnudos,
sugerem inocente lascívia
trazida por culpa gemente
ante a ausência do bardo mudo.
Perdão por olhar tua musa,
tua intimidade invadir;
por, de mim, deixar evadir
estas estrofes, pois são intrusas!
Será que ela foi tua amada?
Foi ela que tua solidão
embalou e encheu-te o coração
onde, talvez, traze-a guardada?
Deus, só sei que ela é mui bonita!
Súbito, vi-a entrar num salão
e, sem saber de onde, u’a canção
deu-lhe boas vindas … e vida!
Finalmente vi-lhe o sorriso
que, avançando em passo elegante,
ali buscou, dentre os circunstantes,
teu olhar discreto e mal contido.
Calou-se então a valsa da orquestra …
parou, até, o frio minuano …
Musas, calai e ide a vossos cantos …
perdão … te aquieta poeta!
A dama que me embevecia
voltou à clausura do retrato
e inda hoje pergunto, intrigado:
“aquela mulher … quem seria?
(José Rodrigues Martins Sobrinho – Brasília, 16.12.2003)
15 de maio de 2014
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