Meu oito de dezembro (II)

Descemos, eu e o guarda-chuva, na direção da L2 Norte. Mais um baú (a greve tava longe dali). “Nhac, nhac, nhac”. A onomatopeia não descontinuava. O que é isso, gente? No banco à minha frente, rapaz amorenado, óculos escuros(?) na testa, jogava com cara de idiota um joguinho de celular. Tudo bem, já estamos na 404Norte, daqui a pouco a Rodoviária, quando ficarei livre daquela agonia sonora.

Voz tonitruante: “Boa tarde. Jesus! Sou Adriano (seria Cristiano?), de Macapá, Amapá”. Putz, lá vem, pensei. “Sou ex-drogado e faço parte da Casa de Atendimento… (não me lembro o nome).Cuidamos de viciados e distribuirei isso aqui (canetinhas, bloquinhos, tudo “três real”). Colaborem.” Como não tinha retrovisor lateral de carro para pendurar, ele entregava aqueles saquinhos com as maravilhas diretamente aos passageiros e passageiras. Pulou meu banco; nessas horas, cabelo branco ajuda, impõe respeito e festejado distanciamento.

Estou no metrô entupido. Aboletado no assento azul (que bom o tratamento preferencial), vejo aquele sufoco, povaréu voltando para suas casas distantes após mais um dia de trabalho duro. Uma voz de taquara rachada invade o trem. Era um homem mais amorenado do que o do celular. Carregando uma criança de três ou quatro anos no pescoço, bonitinha, uma simpatia, espertinha, ele pedia que o ajudássemos a voltar para Cristalina.

Viera fazer uma consulta e precisava retornar a sua (dele) casa. Os passageiros – classe C muita, classe B pouca, classe A nenhuma – se apiedam e passam a abrir bolsas e carteiras, decerto compradas no Conjunto Nacional. Sou um dos “mais bem situados” ali, não posso negar fogo apesar do gasto que me esperava, implacavelmente, com a restauração da lataria. Paro o indivíduo: “Tem cinco reais?” A resposta naquela barulheira: “Eu não escuto, sou surdo.” Putz, não me faltava mais nada. Pergunto então à mulher para quem eu houvera cedido o assento azul se ela por acaso teria. Com a ajuda da filha de onze anos, ela vasculha por séculos a bolsa e acha duas notas de cinco amassadas. Faço o câmbio, ela guarda a minha nota de dez reais. Dou cinco pratas (dez era muito) e o pai e a adorável filhinha saltam na estação e logo se encontram com a mulher dele e mais uma outra criança. Foram embora os quatro. Desci duas estações adiante. Epa, ouço aquela voz de novo. A colheita continuava. Família unida e perseverante. Mesmo assim, senti verdade naqueles pedidos feitos aos berros.

Da estação até a oficina do Guará 2, dois quilômetros, vencidos em caminhada com o guarda-chuva fechado, tralha útil/inútil. Opto pela ciclovia e observo tudo como que numa tentativa de me ambientar aos humores e odores do que no Rio de Janeiro seria chamado de subúrbio.

8dez2

Meu cartão de crédito expele o comprovante e acalma o consertador artista.

Logística acertada com o marido da Mariza, também servidor do Bacen, da ativa, a quem pego no eixão em frente à Caixa-Preta (eu disse que retornaria ali). No bloco B da 212 Norte, minha casa, eu, que até então dirigia o veículo, recusei-me terminantemente a descer a ladeira e entrar na garagem com medo de provocar outro estrago. A história só se repete como farsa.

Agradeci e vi meu cunhado, decerto me achando com sobradas razões o cunhado mala, arrancar o carro customizado em direção à nova e aprazível residência do casal, na 316 Sul, quadra dos bacanas.

 

17 de janeiro de 2015

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mmsmarcos1953@hotmail.com

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