Anjos de Barro (II)

A rigor, e sem autorização legal, vou preliminarmente seguir os passos do José Maria Mayrynk, nascido na mesma região mineira do meu pai, Zona da Mata, que escreveu o livro “Histórias de pais e filhos especiais”, aberto com tocante dedicatória:

“À saudade de meu pai, José Eduardo Mayrink, médico da roça, que passou 29 anos numa cadeira de rodas, a serviço dos pobres.”

Chamemos então para a cena o autor do prefácio. Henfil,
amargamente, permeia a introdução com “Sangue de barata”, bullying
travestido de diagnótico.

foto: Derly Marques - http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/22422-70-anos-de-henfil#foto-359690
foto: Derly Marques – http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/22422-70-anos-de-henfil#foto-359690

“Anjos de barro. O título é ótimo. Me deu até inveja do Mayrink, aquela inveja que todo criador profissional tem, quando
um colega acerta o alvo (…).

“Aqui não há lugar para um comentarista, aqui tenho de ser personagem. Tiro a capa do jornalista, cartunista, quadrinheiro, escritor e agora até cineasta, tiro todos os crachás
que me garantem livre trânsito no mundo dos eficientes e visto meu pijama de Clark Kent, o superdeficiente.

”’Sangue de barata!’

“Que eu me lembre, o grito da meninada da rua foi o primeiro sinal que tive anunciando que eu era diferente de todo mundo. Tenho 42 anos, logo isto deve ter acontecido uns 38 anos atrás, em Belo Horizonte.

“Sangue de barata. Ninguém sabia o que eu e os outros dois irmãos, Chico e Betinho, tínhamos. Só sabíamos que o nosso sangue não coagulava. Não podíamos sofrer o menor corte,
pois a hemorragia duraria até o final. Claro, no caso de um corte externo, bastava fazer o que todo mundo faz, segurar com algodão e esparadrapo. A diferença é que o sangue das pessoas coagula em minutos e o nosso digamos que em dias.
Mas a deficiência vira coisa grave e até tragédia, se a hemorragia for interna, onde não se possa segurar com um algodão.
Um microvaso rompido poderá provocar um imenso hematoma
com dores insuportáveis. Lembro que o sangramento provocado pela extração de um dente de leite durava de um a dois meses (…).”

Dou uma primeira parada nesse texto – que poderia ter sido escrito pelo iconoclasta Henfil a caneta-tinteiro, decerto carregada com tinta vermelha.

 

25 de fevereiro de 2014

(049)

mmsmarcos1953@hotmail.com

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