Memórias/Memorialistas (XIII)

Não se recuse a nos ajudar, professor Paulo Duarte. Mostre como aconteciam as viagens de navio ao exterior nos anos 1930, quando, sem haver nascido ainda, o cantor Roberto Carlos não podia emocionar cinquentonas, sessentonas e setentonas amadas/amantes de um cruzeiro. Abra o segundo volume de suas memórias (“A inteligência da fome”). Dê-nos uma panorâmica das jornadas marítimas feitas àquela época pelos burgueses que atravessavam o Atlântico com destino à França. 

“(…) Era a segunda vez que eu entrava no grande salão do Hotel Regina. (…). Se eu fechasse os olhos, em lugar daquela gente típica de 1933, burguesia americana e européia rica, veria ainda collets-montés  de toda parte, sul-americanos abastados, principalmente do Brasil e da Argentina, até gente da alta nobreza, militares vistosos e empetecados de cores e condecorações. O que correspondia bem com aquele salão  find-de-siècle, barroco pesado, cortinas de reps escuro, tapetes grossos enormes. Era um dos mais reputados hotéis de Belle Époque até 1914. Naquele tempo as viagens à Europa eram penosas. Antes de embarcar, em Buenos Aires, em Santos ou no Rio de Janeiro, os viajantes tomavam um purgante, os mais velhos, chefes de família, até faziam testamento. Ao lado da família que subia ao vapor, freqüentemente, entrava também uma vaca vistosa, para não faltar leite às crianças e aos grandes. No Havre as vacas eram recolhidas a um hotel conhecido, dotado de estábulos, enquanto a família seguia para Paris. Um ou dois meses depois, a família de volta, as vacas eram de novo embarcadas.

“Em Paris, o Hotel Regina era o preferido dos Junqueiras em geral, de Minas ou de S.Paulo, por cujo território se haviam expandido, vindos do Triângulo Mineiro. Estes, não admitiam outro. Um meu velho tio-bisavô (todos os Junqueiras do passado são sempre tios-bisavós dos Junqueiras contemporâneos), ia pelo menos cada dois ou três anos à Europa e acampava no Hotel Regina, de Paris, como eles mesmo diziam de boca cheia.

“(…) Dessa gente provinha o nosso João Francisco ou simplesmente tio João como é citado quando se conta algumas das peripécias singulares da sua vida. Tinha um aspecto meio rude, mas era esclarecido por uma vivacidade natural, pela experiência própria e até pelas viagens que fizera.

http://garfadasonline.blogspot.com.br/2011/04/1-importancia-do-transatlantico-gelria.html
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“Quando à sua primeira viagem, o navio desatracou em Santos, ele correu ao camarote e de lá voltou envolvido num guarda-pó de palha de seda… Alguns dias depois, ao ver sumir no horizonte a última fímbria da terra brasileira, começou a ficar inquieto, aquele ‘chapadão d’água’ era mesmo de meter medo, martelando daquele jeito o casco do navio. Um dia, sentado junto à amurada, o queixo sobre o braço apoiado no espaldar de uma cadeira, aí permaneceu longos minutos, quieto, a olhar as ondas um pouco revoltas. De repente. levantou a cabeça e voltando para o filho que o acompanhava, comentou:

 Fiíco! se esta joça afunda, nem uma arvinha prá gente se agarrar..”

 

30 de julho de 2014

(078)

mmsmarcos1953@hotmail.com

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