Meu Velha (III)

Tereza sempre quis um filho homem. O presente chegará depois
das duas meninas – para ir embora com dois anos e meio depois.

A morte do Velha, é óbvio, abalou-nos de forma profunda e dilacerante. Dir-se-ia que quase destruíra a jovem família da qual foi arrancado (obrigado pela ajuda poética, Chico Buarque) valioso pedacinho, reduzida portanto a quatro integrantes, sem rumo, sem direção, malgrado os sinceros e iterativos esforços dos parentes e dos amigos
no sentido de dar consolo e apoio para que os pais enlutados não sucumbissem por força do passamento.

Durante o início desse período de tristezas e abandono, Tereza apegou-se à ideia de suicídio. É natural. Mesmo as mães pouco afeiçoadas, irresponsáveis ou alvo de recentes influências do estado puerperal desatinam quando vêm a se conscientizar da experiência
desse tipo de perda.

Alan Kardec ensina não devamos atormentar nem agredir ninguém
com nossos dramas e tragédias, sintoma de egoísmo e presunção. Seria deperfilhar a lição do grande doutrinador, de quem muito me vali após o tenebroso novembro, mas respeitosamente vou deixar o Evangelho
em cima do criado-mudo e prosseguir nos meus desabafos. Ou melhor, espichar os meus registros em homenagem a uma criança
que foi a verdadeira inspiradora do Mapati, história conhecida,
a qual um dia irei redundar.

Cerrado o livro do espiritismo, nem por isso o que dele evola deixará
de aqui merecer referências.

Ao término de tudo aquilo ligado às exéquias, impunha-se grudar
na Tereza para que não ficasse sozinha em nenhum momento. Resolvemos, então, ir para a residência do Sergio Padilha, irmão mais velho e padrinho dela. Na ampla sala daquele amplo apartamento
da Superquadra 113 Sul, amontoamo-nos de arte a espancar o desespero
e a melancolia, sabendo-se a priori tarefa inglória e inexitosa.

Transcorria a comunhão quando nosso sobrinho Rogerio Padilha, o filho de doze anos dos donos da casa (um menino doce e brincalhão, também desaparecido tão precocemente, aos trinta e sete anos), dormia num pufe. Súbito, dele se levantou, foi até um dos quartos, ficou lá algum tempo, reapareceu, deitou-se no mesmo lugar e voltou a dormir, profundamente.

Maria Cecília, minha concunhada, percorreu o mesmo caminho do filho e tornou à sala, com um papel na mão:


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O OUTRO LADO DA VIDA

A escuridão não me vê,
o espaço é grande,
ouço gritos, choros, tristezas,
e sinto que o tempo foi curto.
Não vi mais aquela luz azul,
aquela luz que, combinando com o verde,
firmava um bosque por onde vejo agora
um Senhor alto, de olhos azuis, bem azuis…
Estendi-lhe a mão e ele me levou,
levou-me para mostrar a vida.
Minha sombra se foi,
minha alma venceu!
Senhor, diga a minha mãe
que eu não morri,
que eu estou vivo,
que eu venci a morte,
que o tempo passa, nós morremos,
mas o amor vive, está comigo,
com o Senhor, com todo mundo.
Senhor, diga apenas a ela,
“Te amo, mamãe”.

 

24 de novembro de 2013

(027)

mmsmarcos1953@hotmail.com

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