Aviso de agradecimento (III)
Guarda-chuvas ordinários, violentamente retráteis; pessoas obesas ou idosas (ou com as duas características juntas) penando para chegar em local seguro e protegido; o cavalo branco e marrom, pela sujeira, estaria satisfeito com o aguaceiro, não tivesse de usar sua força cavalar para que a carroça cessasse de jogá-lo para lá e para cá, machucando-o, dada a força da ventania; aquela mãe (cadê o marido?), bonita e tão jovem ainda, equilibrava-se com a filha (3 anos) no colo e o filho (4 anos) no chão, do mesmo lado, porque no outro ela arrastava mala de rodinhas (era uma terceira mão dela que segurava a sombrinha?).
Alegres mesmo somente os chacareiros da região com suas plantações bombando, alguns poucos jovens a pé ou de bicicleta que passavam aos gritos, como forma de espantar a friagem dos corpos encharcados, o Ministério das Minas e Energia, o Operador Nacional do Sistema Elétrico-ONS (o nome desse órgão dá ideia de um homem solitário, um faroleiro – ironias à parte -, a acompanhar e controlar permanentemente todos os reservatórios, barragens e caixas-d’água do país).
O dilúvio amainou e pude de conseguinte retomar minha subida.
No caminho, observo a fileira de lojas. São padarias, farmácias, lanchonetes, mercadinhos, açougues e, no meio do percurso, adentro um pequeno conjunto de estandes também despojados, cujas passagens, algo escuras, evocam a Feira dos Importados em menores proporções. Na saída desse shopping, chuva fina e renitente, vou me esgueirando entre os carros estacionados. Abro passagem para um homem que sustinha no ombro uma saca de pano. Pela discreta performance, vejo que se trata de um vendedor ambulante: “Vai uma castanhinha, aí?”.
Chego enfim ao salvador posto, onde constato falta de recipiente para acondicionar combustível mas, apontou a frentista, o mercadinho do outro lado, o Joinha, tinha pequenos galões para vender. Pago os quatro litros de gasolina, dirijo-me ao terminal ali pertinho, tomo o novo zebrinha, R$ 1,50 a passagem, com todas as cautelas devidas (afinal, minha carga era inflamável e perigosa, mesmo hermeticamente fechada), e faço então a curta (para quem àquela altura não era mais caminhante e, sim, passageiro) viagem de volta.
Carro com o tanque cheio, imperioso chegar logo ao hospital.

05 de abril de 2014
(057)
Aviso de agradecimento (II)
Aviso de agradecimento (IV)
Você pode gostar

Intimidades
26/12/2019
Fausto e Valter Embaixador
18/05/2020