Cristalina (VII)

É reconhecidamente pequeno o contingente de apreciadores de poesia, de que não faço parte, embora o blog do Mapati divulgue ocasionalmente, inclusive por instâncias minhas, dramas, paixões e brincadeiras narrados em versos.

O vizinho da Maria integrava o subgrupo minoritário do grupo da minoria de sensíveis. Insta esclarecer, era ledor e entusiasta dos clássicos (Pessoa, Drummond, Bandeira, Castro Alves, Bilac) e também se permitia cometer poemas. Até aí, tudo bem, sem embargo festejemos, mais um poeta no mundo – e, como quase todos, de existência efêmera.

O problema é que seus escritos, puro lirismo, eram direcionados para encantar (e iludir?) a mãe do Fernando, bonita e sedutora nos seus quarenta anos. No entanto, para infelicidade do admirador, Maria não era uma mulher livre, em sua aliança aparecia gravado o nome do companheiro, um homem muito mais velho e (et pour cause) ciumentíssimo.

Nem bem nosso vate terminava uma mensagem poética de amor, lançada pela janela da casa de sua musa (naquele momento sozinha) ou lida provocativamente quando a avistava no doce balanço a caminho do mar (obrigado, Tom e Vinicius), agregava, assertivo, outra manifestação apaixonada, mais caliente, o que deixava a destinatária em arrebatamento e com a autoestima lá nas alturas – perto de onde se encontrava o perigo, se é que não antecipo algo.

http://static.fnac-static.com/multimedia/PT/images_produits/PT/ZoomPE/6/5/1/9789896413156.jpg
http://static.fnac-static.com/multimedia/PT/images_produits/PT/ZoomPE/6/5/1/9789896413156.jpg

A adoração proibida se foi adensando e, sejamos justos, não se viam sinais de estar sendo correspondida. Talvez por isso, munira-se o pretendente de mais coragem (ou irresponsabilidade) e intensificara a corte respaldado na crença de ser uma questão de tempo empolgar o coração daquela deusa (perdoando-nos pela breguice).

A démarche de quem se enamora de pessoa já comprometida é secularmente notória. Vai passando o tempo, o cabra insiste, persevera no jogo, abandona a discrição e a sutileza, afrouxa as cautelas, arrisca-se cada vez mais. E torna-se um desapercebido.

Zé Lobó – era esse o apelido do pai do Fernando nas mesas de carteado – sabia muito bem disso e pôs-se a maquinações, estimulado por instigante som de uma trombeta.

 

10 de abril de 2015

(124)

mmsmarcos1953@hotmail.com

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *