Memórias/Memorialistas (XXV)
Morei no meu Rio de Janeiro – relembro – durante todo o segundo semestre de 1982. A estada me permitiu acompanhar de perto as históricas eleições daquele ano, inclusive a de governador, vencida por Leonel Brizola, autor de frase (entre outras tantas) que se tornou célebre: “O PT é a UDN de macacão.”
Não é, contudo, sobre política propriamente o assunto a ser referido. Apesar de eu ter vivenciado os anos de 1960 e de 1970 – o ingresso nessa década já em despedida de minha adolescência -, este blog no que me concerne tem procurado enveredar por outros temas, sobretudo a memorialística.
Atravesso a ponte deixando do lado de cá o Pedro Nava para me encontrar, no lado de lá, com o Afonso Arinos de Melo Franco, um dos luminares da União Democrática Nacional. Partido extinto há décadas, a UDN era tida por elitista, currículo de fomentadora do golpismo, filhotes espalhados por agremiações de hoje e nenhum deles com a cultura e o descortino vistos antigamente.
Reponho na estante o “Alma do tempo”, muito evocado no início deste tópico a caminho das três dezenas de lembranças. Ato contínuo, agarro “A Escalada”, o segundo tomo das memórias do brilhante chanceler oriundo das Minas Gerais como o Nava.
“(…) Torna-se para mim cada vez mais dificultoso falar desprevenidamente do solitário de Apipucos. Em geral, os escritores profissionais – e a ninguém, como a Gilberto e Jorge Amado, cabe êste título, hoje, no Brasil – são mais tolerantes, diria mesmo mais compreensivos, para as referências que lhes sejam feitas, de boa fé e sem ódio, do que o comum dos mortais. Com Gilberto, no entanto, isto não se dá. À proporção que lhe chega a velhice e lhe cresce a glória, torna-se cada vez mais perscrutador de intenções malévolas, mais sensitivamente magoável (vá lá o barbarismo, na falta de palavra mais adequada), com qualquer reparo que se faça ao que escreve.
“Em tudo o que não é louvação sem jaça, Gilberto vê má vontade contra êle, concorrência, perfídia. Chego a supor que êste é um gênero que se compõe por ignotos motivos de arranjo literário, pois difícil é acreditar que uma inteligência tão aguda na observação dos fatos e das personalidades se mostre a tal ponto incerta quando se refere a assuntos que lhe digam diretamente respeito.”
A alusão ao Jorge Amado é explícita. Mas quem é o “solitário de Apipucos”, cujo sobrenome é omitido até onde me foi dado transcrever? Não carece muito engenho para descobrir pois o início da próxima postagem nos dirá.

01 de setembro de 2015
(145)
Memórias/Memorialistas (XXIV)
Nossos filhos, filhas, coincidências
Você pode gostar

Poemas de uma carioca desgarrada (XXIII)
08/06/2020
Memórias/Memorialistas (LXXIII)
29/12/2021