Arte sobre rodas (VI)

Estabelece o senso comum que quase tudo na vida tem o lado bom e o lado ruim. Atualizando, acho que há o lado bom e o lado muito ruim. Essa dicotomia, esse maniqueísmo se realça numa viagem.

Antigamente (botem aí uns quarenta anos), quando os felizardos e felizardas da classe média chegavam de uma incursão pela Europa (engraçado, os Estados Unidos eram rota fora de cogitação), a parentada e os amigos e amigas (classe média também) eram convidados a ver os “slides” (minhas filhas, 38 e 34, nunca depararam esse quadradinho com um negativo no meio) ou folhear o cafona álbum de fotos da “aventura no estrangeiro” – rede social consistia nisso, nada de virtualidades. Numa visada com distanciamento histórico, cuido que o chamado dos esnobes assumia contornos de intimação porque, se convite fosse, ninguém ia, um pouco devido a uma invejazinha. Pensando bem, a título de reparação de danos, convidados parentes mereciam o suplício. Agora, fazer isso com o círculo de amigos… uma iniquidade.

Como dito acima, viagem em grupo exacerba o contraste. O que é dia é claro; o que é noite é escuro. Então, vamos dar a largada. A primeira coluna (Tópico I) arrola o que é bom, que maravilha viver (obrigado, Helio Fernandes). A que vem logo abaixo dela (Tópico II) é a parte trevosa.

Para desanuviar os encargos de quem acidentalmente me lê, deve-se entender a coisa dividida em “Pontos positivos/Pontos negativos”; “Bônus/Ônus”; “Vasco/Flamengo”; “In/Out”; “Copo cheio/Copo vazio”; “Crédito/Débito”; “Sim/Não”; “Sobe/Desce”, “Ricardo Gomes/Eurico Miranda”; “Recebimento de salários atrasados/Taxas de juro do cheque especial”; “Democracia/Ditadura”; “Sexta-feira de sol/Segunda-feira chuvosa; “Início das aulas/Início das férias”; “Chefe na sala/Chefe em licença-saúde”; “Ida de excursão/Volta de excursão”, “Quitação de carnê/Emissão de carnê” e por aí vai, por aí iremos – no microônibus (já vendido) e no caminhão-palco do Mapati.

Tópico I  (o que é bom)

– Bebum dançando na frente do caminhão-palco bem antes das apresentações;

– Pit stop para um tchibum, com bundalelê ou não, nas cachoeiras e rios que inopinadamente surgem pelas estradas e vias secundárias;

– Hotéis aconchegantes, pessoal da recepção simpatia pura, café da manhã com dez mil itens, quartos com camas espaçosas, colchões ortopédicos, fronhas e lençóis limpos e brancos de arder a vista e chuveiro de água quente nos lugares frios e de água fria nos lugares quentes;

– Mulheres bonitas falando com sotaques os mais variados e sedutores;

– Da boleia, visão das caleidoscópicas, vastíssimas plantações das fazendas do Mato Grosso;

– O sorriso das crianças (e a cara de bobo dos pais) no momento em que estão tirando fotos com nossos atores e atrizes ainda caracterizados;

– O ar de sacana dos adultos nas cenas de saliência (obrigado, Ancelmo Gois) de algumas de nossas peças.

Tópico II  (o que é ruim)

 – Bebum tentando subir no caminhão-palco durante as encenações;

– Duas apresentações em Bonito (o prefeito doido interditou um cruzamento movimentado da cidade para montagem do caminhão-palco) e não ter tido sequer um tempinho para um mergulho naquelas águas belas e cristalinas;

– “Banana/pra/macaco”, expressão criada por não sabemos quem de nosso grupo sobre a capacidade da Tereza em atrair malas (candidatos a atores, pseudoatores, porra-loucas, barrigudos carecas perdidos de Woodstock, largados do circo mambembe, loucos “noivos” loucos para casar com a Tereza ou, mais precisamente, com as personagens que ela sensualmente fazia (e faz) em nossas trabalhos, sobretudo O Rapaz da rabeca e a moça da camisinha; saudades do Mapurunga com sua obra magistral);

– Atores e atrizes com banzo, varados de saudade da namorada ou do namorado (ou vice-e-versa);

– Hotéis decadentes, pessoal da recepção antipatia pura, quartos apertados e paredes úmidas, camas detonadas, colchões de crina ou de espuma ordinária, fronhas e lençóis usados há décadas, a esfarinhar em nossas mãos, chuveiro sem água, com pouca água ou com água quente nos lugares quentes e água fria nos lugares frios;

– Carro de som arrebentando os ouvidos da gente com propaganda de loja de móveis ou de dupla sertaneja iniciante que vai gravar um dvd no clube dos previdenciários, logo mais, às 22h;

– Na direção do micro-ônibus, eu ter visto nosso caminhão sambar pra cá e pra lá, após o estouro simultâneo dos dois pneus traseiros esquerdos, num puta ladeirão distante poucos quilômetros de Caldas Novas. Até hoje, não sei como a Tereza ao volante conseguiu segurar aquele monstrengo globeleza até que parasse todo troncho, incólumes fisicamente os três apavorados passageiros;

– Perdoando-me vocês pela minha recaída no machismo, atrizes na Tpm (não bastassem todas elas serem multifacetadas).

 

27 de novembro de 2013

(030)

mmsmarcos1953@hotmail.com

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