Aviso de agradecimento
Em meados da década de 1960, os pré-adolescentes de Brasília víamos o Paranoá como um lugar distante, inacessível.
Lá se chegava pelo Setor de Mansões Norte, como é até hoje, ou pelo Lago Sul, com um pequeno detalhe: não havia ponte alguma, obrigatório era ir pelo Balão da Sarah, jardim redondo agora destruído, em favor dos carros, por novos traçados modernosos.
Acampávamos no seminário (para os meninos – meninas não acampavam – “uma aventura na mata”), que também era longe à época. Era longe, mas estava situado muito antes do local onde existia quase nada – uma feira de não muitas variedades, casas poucas espalhadas, população reduzida. Uma atração, ou melhor, duas atrações faziam boa parte dos pioneiros (vamos admitir que pioneiros são aqueles que vieram dar no cerrado antes de 1965) passear por aquelas bandas: uma imponente barragem diante de nossos olhos ainda de caipiras e um restaurante, à época muito frequentado, menos pela excelência da comida, menos pela outra excelência (JK) que almoçava lá, e mais pela vista do Lago Paranoá que proporcionava aos comensais.
Sempre morador do Plano-Piloto, ora Asa Sul, ora Asa Norte – um pequeno burguês portanto -, retornava ao Paranoá vez que outra, uma delas por causa de uma das primeiras apresentações do caminhão-palco do Mapati. No sábado retrasado, véspera do aniversário de 90 anos de meu pai (se vivo fosse), minha incursão foi dolorosa, foi sofrida.
Impunha-se chegar sem tardança ao hospital para visita a um menino de 27 anos, que sucumbia na emergência, lugar inadequado diante da gravidade do quadro clínico. Não existia vaga na Unidade de Terapia Intensiva dali nem de outro hospital da rede pública. A orientação nesses casos – ao que percebi, virou uma praxe – é a de procurar o Ministério Público, conseguir do órgão de defesa dos direitos difusos um requerimento com vista à obtenção de uma vaga em UTI de hospital privado, a qual se pode lograr acaso o juízo competente assim o defira e o oficial de Justiça efetive o cumprimento do mandado. Todavia, esses procedimentos, quando céleres, costumam levar 48 horas, 72 horas ou até mais.
Tempo em demasia, nosso paciente talvez não suportasse. Com efeito, era de desconsolo a impressão que tive do estado do garoto na parte da manhã: entubado, inconsciente pela sedação, olhos semiabertos fixados no nada (obrigado, Guimarães Rosa), drenos, sondas, pernas inchadas, intumescimento.
A visita matinal, compulsoriamente curta, poderia ser retomada no período da tarde, no horário previsto de 14h/16h. Com fome e sem vontade de comer, saí para almoçar.
02 de abril de 2014
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