Cristalina (II)
À soleira, Tereza mirou “a coisa” e sentiu o baque. Alguns segundos depois, refez-se do impacto da aparição, face novamente corada, e tornou ao mundo real segurando meu braço. Na forma antes referida, o interior do aposento dava ideia de noite, malgrado a luz do sol ainda incidisse naquele fim de tarde modorrenta.
Dali de dentro daquela toca, em meio à bruma, ele pôs os olhos grandes sobre nós (obrigado, Caetano Veloso).
Pelado, manchas pretas por todo o corpinho e o diagnóstico: falta de um bom banho. O sujinho menino cristalinense (contradição entre termos) de um ano e meio de idade não reclamara de início quando o peguei no colo, aceitando tranquilamente meu acolhimento. Seguiu-se entretanto um berreiro (aquilo não era choro) que quase implodira meus tímpanos, compelindo-me a devolvê-lo à mãe. Outra perda? A mesma perda?
Irmão dos vendedores petizes que começaram esta história, o garotinho era a lata do meu filho, sem tirar nem pôr, assustadoramente parecido. A carinha de um repetia a carinha do outro, nascidos no espaço de uma geração, e lembravam um pouco a do menino de calção de listas na foto aí em cima, “roubada” de um blog voltado para o segmento da educação. Respeitados os cânones do espiritismo e da doutrina kardecista, eu poderia assegurar que não se tratou propriamente de reencarnação. Concedam-me a devida vênia. Em realidade(?), meu Velha como que fora reeditado, inclusive nos cabelos quase louros e cacheados e na pele alva. A mãe do Fernando (o nome do carvoeirinho), morena, e o pai dele, branco-branquelo, tal como a minha cor e a cor da Tereza, nessa ordem.
Psicologicamente, é sadio uma criança com dois pais, residentes um em Cristalina, o verdadeiro, e o outro em Brasília, arrebatado? No que vai dar isso?
30 de outubro de 2014
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