Cristalina (VIII)
Os olhinhos azuis do Zé eram as únicas coisas visíveis no pequeno galpão existente na fazenda do prefeito (ironia, tão Brasil). Exasperado, cônscio de que o local nada mais era que etapa inicial da fuga pelo cerrado hostil, ele não me ouvia, somente me escutava, sem nenhuma atenção: “Zé, como é que você teve coragem de fazer isso? Me telefonasse antes? Eu teria vindo correndo para cá.”
Correndo, eu e Tereza pegamos a estrada logo após nossa filha Mariana haver recebido, fatidicamente, por volta das 22h, o telefonema nos informando da tragédia com o poeta (duplo passamento: o primeiro, pela vereda, seu último caminho neste mundo; o segundo, no embarque para o céu).
Indivíduo franzino, de estatura baixa, quase sessentão, o autor do crime passional era craque em subir nas árvores próximas à sua nova casa. Sua família, a bem dizer, agora se acomodava no lar espaçoso situado em bairro periférico de Cristalina, ao lado do quartel do exército (ironia, tão Brasil). Do posto de observador privilegiado, o marido da Maria e sua convicção paranoica segundo a qual flagraria os dois amantes envolvidos nas delícias da paixão vedada. Contudo, fica o registro, ninguém apurou se houvera prevaricação ou não. Subsistirá, para todo o sempre, a dúvida sobre se delirou quem teria percebido, advindos da vegetação silvestre, gritos e sussurros (obrigado, Bergman) à guisa de trilha sonora incidental da suposta cena de amásia e amásio mimeticamente enroscados um no outro.
O pai do Fernando, nós vimos aqui, era decidido e resoluto. Todavia, ele amargava uma pendência – o modus faciendi.
18 de abril de 2015
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