Mamy (II)

“E neste momento em que te relato tudo isso aqui do Rio sobre esta cama que não te espera, embora te queira. E lembro dos versos do grande Drummond que traduz bem o jeito em que eu me encontrava naqueles dias em Brasília, esta cidade que é luz, arte e política e tu me fizeste sentir: A alma cativa e obcecada enrola-se infinitamente numa espiral de desejos e melancolias. (C. D. de Andrade)
“Eu sabia o que me levava ao Distrito Federal. Objetivamente, era a política sindical, o encontro nacional de vários estados. Estava tranquila quanto a isso. Firme nas idéias, nas discussões políticas, embora buscasse o consenso tão necessário entre as forças do movimento sindical, bem como estava claro a necessidade de uma saída para a crise brasileira, a crise do estado e do poder público que nos atinge com campanha de desmoralização do serviço público, etc. Buscava esse consenso nas discussões polêmicas, conflitantes, mas por dentro estava tão paradoxal, por dentro era outro tempo ao qual me transportara, o tempo das emoções, do sonho, do passado, de uma mistura de vida e de morte, de recuperação, de negação e afirmação de mim, de ti, do futuro, da juventude e da maturidade que em mim vai e vem, toda emoção possível bombardeava-me a alma, sacudia-me e já não era apenas a (My…) política que lá se encontrava, havia a outra (My…) menina, apaixonada, tão particular, subjetiva, desapontada, atônita, frágil, mas tão certa de seus afetos como propósitos que uma não se confundia com a outra e, portanto, puderam repartir suas mágoas e alegrias de viver e puderam se encontrar e dar as mãos. Uma com seu discurso para o coletivo, o público, outra com o seu discurso privado, interiorizado, sexualizado, querendo amar de novo, querendo reencontrá-lo, o que só foi possível simbolicamente.
“Então, voltei para a minha hospedagem, na W3 Sul com uma colega do TST de Brasília que gentilmente se oferecera para me levar até à casa de D. Maria Miranda. Cheguei no quarto. Estiquei-me sobre a cama e o silêncio era total. Comecei a ouvir a chuva cair torrencialmente. Pensei em você. Sonhei com você e dormi.
“Beijos de (My…)
“PS: não ia mandar mais esta carta que escrevi logo qdo cheguei ao Rio ainda sob o efeito mágico que Brasília me deu. Você estava ausente, tão longe que de repente julguei que você não ia entender todo esse sentimento. Fiquei insegura. Mas depois do seu telefonema ontem, achei que devia mesmo comunicar este inventário da minha alma contigo. Sei que não devo estimular em nós ‘agitação emocional’ mas somos adultos e cúmplices. E não somos pessoas tão comuns assim. Sofremos de males semelhantes.
(My…) Rio 17/12/91
Mamy“
10 de setembro de 2014
(092)
Mamy
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