Obsessões musicais (IV)

Cita-se Luiz Melodia e as legiões de fãs pelo Brasil todo o associam, o amarram a Pérola Negra, te amo, te amo. Eu também me ligo nessa liga, mas nem sempre.

Rasgo a camisa, enxugo meu pranto e forço minha libertação do que era ruim nas minhas recordações do Rio de Janeiro, Centro da Cidade, Rua República do Líbano, onde passei dos sete aos nove anos de idade, tendo retornado para lá por mais doze meses, egresso de Brasília, no ano que não terminou.

Nesse 1968, o menino posto como adolescente nos seus quinze anos ainda padecia em decorrência de infausto panorama recidivo. Para mais uma vez usar a linguagem presidencial, o trauma sobre-existia-lhe, se perpetuava à medida que, da janela do apartamento de fundos no quarto andar, enxergava as grades da prisão da delegacia, cuja frente era virada para o Campo de Santana com suas cotias e árvores centenárias.

O urro dos presos comuns (havia presos políticos?) no suplício do pau de arara só perdia em intensidade para o grito das presas. Nunca castigadas (é o que parecia) com a palmatória vil, nem assim se eximiam de esbravejar nas situações em que sentiam que somente dessa maneira seriam ouvidas nos seus protestos, inclusive os que eram feitos pelas barbaridades perpetradas contra os homens espremidos no calabouço infernal. Diante de tal algaravia, os carcereiros se apressavam em lançar jatos de água fria no corpo das detentas, que, encharcadas, não se davam por vencidas e desafiadoramente aumentavam ainda mais o berreiro insuportável.

Em busca de compensação, o jovem, atordoado, pegava o elevador que balangava pra lá e pra cá (maquinário arcaico já naquela época), chegava ao hall do prédio, porta grande da lixeira e os ratos lá dentro, descia o lance de escada e transpunha a modesta portaria. Ali, a visão da fileira de táxis pretos o fascinava. Foi dito aqui, carros novos não mexem comigo. Carros antigos, no entanto, sempre me fascinaram. Os packards, os oldsmobiles, os chevrolets, os citroens (aqueles de filme de máfia), os studebakers estacionados um atrás do outro à espera de passageiros faziam que o tormento lá de trás (ou lá de cima) restasse nublado em minha mente.

De mistura com tal exposição automobilística, repontava na esquina com Av. Visconde do Rio Branco a sede da gravadora de discos CBS e seus artistas (Roberto Carlos entre eles), espalhados em grupos de conversa fiada na calçada frontal até a hora de entrar em/no estúdio. Os cabelões, as lantejoulas, os colares e cordões, os anéis, as pulseiras, as roupas espalhafatosas tinham o condão de provocar em mim viagem ao terreno dos sonhos psicodélicos. Tudo era divino e maravilhoso.

De forma que essa região central agora revitalizada me marcou profundamente com seus prédios de repartições públicas, suas travessas, becos e ruas coalhadas de papelarias, botecos, restaurantes (Spagtthilândia), padarias, farmácias (Granado e seus produtos, hoje de multinacional), alfaiatarias, lojas de ferragens, de material elétrico, de conserto de bonecas, de conserto de relógios, de malas dispostas como se um pelotão, lojas de óculos, de discos (bolachão, vinil), de umbanda, de quinquilharias. Pois é, Rua dos Inválidos, Gomes Freire, Alfândega, Buenos Aires, lá em cima a Av. Presidente Vargas, no caminho do Largo da Carioca a Praça Tiradentes, voltando em direção à Zona Norte Rua do Riachuelo, Frei Caneca com o seu presídio…

Essa última rua, que fecha minha listagem exemplificativa, é próxima do bairro onde viera à luz o confeiteiro que fez este bolo com glacê do qual até hoje eu arranco pedaços saborosos.

[https://www.youtube.com/watch?v=pLOVhGFiZIE]

ESTÁCIO, HOLLY ESTÁCIO

Se alguém quer matar-me de amor
Que me mate no Estácio
Bem no compasso, bem junto ao passo
Do passista da escola de samba
Do Largo do Estácio
O Estácio acalma o sentido dos erros que eu faço
Trago não traço, faço não caço
O amor da morena maldita do Largo do Estácio
Fico manso, amanso a dor
Holliday é um dia de paz
Solto o ódio, mato o amor
Holliday eu já não penso mais

Luiz Melodia

16/02/2017

(232)

mmsmarcos1953@hotmail.com

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