Obsessões Musicais XXXIII

Nossa memória é um filme que vamos constantemente editando, ao sabor das conveniências presentes e dos temores futuros. A  verdade, dolorosa verdade, é que nem o passado nos pertence por inteiro.
– Joao Pereira Coutinho –

“De leros, boleros, sambas-canções e outras delícias tristes, assim eram feitas as músicas de Nana Caymmi, a cantora que na quinta-feira desligou o microfone da PRK-Terra, agradeceu a audiência e foi cantar em outras frequências, as ondas celestiais exclusivas das grandes divas.

“Nana sofria com elegância. As letras que cantava falavam de mentiras, traições, mas ela não batia no coração para pontuar a dor de algum amor que tivesse ido embora em meio a essas rimas ruins da paixão.

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“Há muitas maneiras de a música brasileira dizer que o nosso caso está na hora de acabar, que faz um ano e meio que o nosso lar desmoronou. Nana, o tom grave que herdou do pai, uma levada operística que ganhou não sei de quem, levou esse desamparo amoroso ao sublime. Sofria moderno, quase cool. Quem inventou o amor não foi Nana, mas ela modulou uma escala própria de cantar as desilusões decorrentes.

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“Diante das ciclotimias do insensato coração, ela se autodebochava sussurrante: ‘Só louco…’.

“Não se faz mais cantora como Nana Caymmi, e eu nem falo na capacidade de juntar técnica e emoção. As anittas e pabllos da modernidade desconhecem o fracasso, a solidão, a vingança e principalmente a melancolia da chuva que cai lá fora. Todas poderosas, não conjugam o verbo sofrer em quaisquer dos seus tempos. Não fazem mais o favor antigo de gostar de alguém – e cantam a mixaria aeróbica de passar o rodo geral, a ostentação otária de beijar 20 bocas e não dizer um ‘eu te amo’, essa delícia da música brasileira substituída pelo ‘toma, toma’ e ‘senta, senta’ das novas canções.

“O tempo levou Nana Caymmi e já a vejo no grande broadcast das nuvens divinas. Está ao lado direito de Dalva e Dolores, à esquerda da enluarada Elizeth e da personalíssima Isaurinha, essas loucas dramáticas que também não inventaram o desamor, mas acalentaram suas dores quando ele bateu, e ele sempre bate, na porta da frente de todos nós.”

RESPOSTA AO TEMPO

Batidas na porta da frente
É o tempo
Eu bebo um pouquinho pra ter
Argumento

Mas fico sem jeito calado, ele ri
Ele zomba do quanto eu chorei
Porque sabe passar
E eu não sei

Num dia azul de verão
Sinto o vento
Há folhas no meu coração
É o tempo

Recordo um amor que perdi
Ele ri
Diz que somos iguais
Se eu notei
Pois não sabe ficar
E eu também não sei

E gira em volta de mim
Sussurra que apaga os caminhos
Que amores terminam no escuro
Sozinhos

Respondo que ele aprisiona
Eu liberto
Que ele adormece as paixões
Eu desperto

E o tempo se rói
Com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor
Pra tentar reviver

No fundo é uma eterna criança
Que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder
Me esquecer

#Joao Pereira Coutinho

#Nana Caymmi

#Resposta ao tempo

#Joaquim Ferreira dos Santos

01/06/2025
(379)
mmsmarcos1953@hotmail.com

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