Young-se

Na minha infância tive bronquite asmática, da qual me curei logo, logo, ou provavelmente não fui acometido de mal algum dos pulmões. No início dos anos de 1960 o diagnóstico de bronquite, caracterizada ou não, era invariavelmente declarado pelos pediatras, como acontece hoje com a virose. Não se encontra médico que em seu consultório, trajado solenemente com seu jaleco branco, ou melhor, verde, azul, cinza, olhe para o paciente (força de expressão, o doutor moderno mira somente a tela do computador durante toda a consulta) e, distante de nosso mundinho de pobres mortais,  fuja do indelével veredictum: é uma virose.

Com a asma, o enredo era, e ainda é, bem diverso, os sintomas costumam ser evidentes, a falta de ar não deixa o indivíduo em paz. Na aparência um apetrecho sem mais importância, a bombinha é vital, sem ela a apoplexia resulta mais devastadora e o asmático e a asmática se sentem como num barco no Mediterrâneo aproximando-se de algum porto na Itália com seu ministro do Interior de anfitrião. Sei bem aquilatar isso, meu pai embarcou rumo ao Paraíso celeste depois de sofrer por mais de sete anos de enfisema pulmonar. Dores físicas são de ordinário resolvidas com uso de analgésicos, nos casos mais graves recorre-se à morfina ou até à heroína. Para falta de ar, é naturalmente recomendado oxigênio, mas há limitações na quantidade ministrada, pena de levar o/a paciente a óbito.

Dá para imaginar um pouco, um pouquinho somente, como deve ter sido sofrido o caminhar da Fernanda Young. De mistura com as crises existenciais, o que a levava a voos criativos e geniais para fruição nossa, a escritora e mais um monte de coisas no campo profissional (atriz, produtora, roteirista, modelo de fotografia, minha filha Patricia guarda até hoje a Playboy com a bela moça tatuada) padecia de angustiantes males da respiração. Cuido que suas diatribes se originavam da revolta com o aparelho respiratório, que, fraquejante, a impedia de expirar plenamente todo o seu potencial de mulher à frente do tempo. A humanidade era o amor bandido da cronista, pois as barbaridades do dia a dia faziam-na assumir o papel da professorinha (professorona) que veio aqui para dar belos corretivos na  tigrada, como refere o Elio Gaspari.

Para prestar minha homenagem a essa mulher indomável e apreciadora da linguagem poética, tomo a liberdade de evocar outra digna e mordaz representante do segmento feminino. Chamo ao palco deste blog mais uma vez a SeiraBeira, poeta das mais expressivas do nosso Planalto Central, que, se formos reparar bem, pelo estilo, pelos vitupérios, parece uma irmã mais nova da young Fernanda.

Foto Fernanda Young: Revista Veja/Ed. Abril – Foto Seira Beira: Arquivo pessoal da escritora/Facebook

“- Seira, porque você já está desistindo de mim?”
“- Porque você me instiga ao amor e eu estarei impedida de te amar.
“- Como assim? Você pode me amar, me mimar…”
“- Aí é que está o X da questão. Você é um filhinho de papai da classe média alta de Brasília. Um pequeno reizinho. Narcisistinha que só pensa no seu umbiguinho. No seu momento de ser mimado. Eu também quero ser amada, PORRA! Não sou sua garçonete sentimental.”
“- Nossa, Seira! Você está sendo injusta. E calma! Você tá violenta. Não combina com a mulher doce e poetisa que você é….”
“- Você acha que POETA é sinônimo de uma Pollyanna trouxa? Uma romanticóide dos livros da Júlia, Bianca, Sabrina esperando um pedaço de língua e bacon ser transportado por um jegue?”
“- Seira! Você está irreconhecível! Que loucura! Minha ex-mulher ficava louca assim. Ela é uma bruxa.”
“- Foi bom você tocar nesse assunto. Fodam-se vc e a sua ex-mulher. Vá fazer terapia ou carregar sacos na estiva! Você tá achando que eu sou tapa-buraco emocional de asfalto do Ibaneis, recapeado na satélite? Tu moras no Lago Sul. A camada é mais espessa…
Eu sou uma “penthouse” de frente pro Central Park. Eu sou uma unidade do Edifício Dakota. Seus mil dólares de miséria não conseguem bancar.
“- Meu Deus! Você não é propriedade! É uma mulher linda, incrível, única.”
“- Blá-blá-blá! Cut the crap com o script batido! É uma metáfora. Eu devia ter te bloqueado no “onestidade”.
“- O que posso fazer pra te acalmar, te ver feliz?”
“- Passa aqui na sexta às 21h. Me leva pra suite espacial do Motel Mon Amour. Promete chupar até necrosar sua língua? Promete encontrar ao menos uma das 8 mil terminações nervosas do clitóris?”
“- Prometo, sua gostosa”
“- Ah, sem intimidade emocional. Não quero mais conversas. Só beijos e gemidos.”
“- Se é assim que você quer…”
“- É o que vocês homens sempre quiseram. Agora vai pra sessão de hipnose. Tenho 3 jornadas ainda hoje.”
“- Você é um sonho!”
“- Sou nada! Prepara-te para a realidade. O sistema é bruto! Como meu grelo.”

Seirabeira

#Fernanda Young
#Seira Beira
#Bronquite
#Pollyanna

07/09/2019
(301)
mmsmarcos1953@hotmail.com

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *