A vida no trem

“O trem que chega/É o mesmo trem da partida/
A hora do encontro é também despedida/
A plataforma dessa estação/
É a vida desse meu lugar./
É a vida desse meu lugar/
É a vida…

O trecho acima, de Encontro e Despedidas, do Milton Nascimento, estaria mais adequado no tópico das minhas obsessões musicais, engatinhando na quarta postagem. Na companhia de milhões de pessoas, sou deslumbrado por essa música, que, no meu modo de ver (e ouvir), colheu provavelmente a melhor interpretação da Maria Rita.

A evocação sugere lhes contar história verdadeira.

Dia radiante, na Minas Gerais do meu pai, estou caminhando pela via férrea com minério de ferro por todos os lados. Eis que, saindo de um túnel Rebouças da zona rural, um trem lá adiante se desloca na minha direção, pobre andarilho. À proporção que a maria-fumaça se aproxima, já em velocidade reduzida, vou-me afastando prudentemente dos trilhos quando vejo, na janela do primeiro vagão do trenzinho caipira, dois homens num forte abraço. Tinham fisionomias cansadas mas exprimiam certa sensação de missão cumprida.

Súbito, o mais velho deixa cair uma folha de papel, trazida pelo vento caprichoso até as minhas mãos. Noto que era um poema, encimado por dois nomes, Villa Lobos e Ferreira Gullar. À medida que principio a saborear os escritos, melodia inebriante se apodera de tudo. Reconheço logo a dona da voz inconfundível. Postada na varandinha do segundo e último vagão como uma medusa do bem, vestes celestiais, Maria Bethânia seduz tudo ao redor, me subjuga com a narrativa segundo a qual “Lá vai o Trem com o menino/lá vai a vida a rodar/lá vai ciranda e destino/cidade noite a girar/lá vai o trem sem destino/pro dia novo encontrar…”

Solto os grilhões que me prendiam à doce bárbara, emendo outro devaneio e, açulado pela Dayse, produtora cultural do Teatro Mapati, encontro restinho de fôlego para fazer circular pela memória os comboios elétricos em miniatura que atravessaram minha infância cheia de vida.

http://incards.postbit.com/photos/photos-from-posts/estacao-de-trem-desenho-a-carvao.html http://incards.postbit.com/photos/photos-from-posts/estacao-de-trem-desenho-a-carvao.html

VITAL

o trem
o trilho
o barulho
a janela
o maquinista
desfilam entre os vagões dramas insólitos
suspiram nas horas promessas seladas
a paisagem vaga no olhar daquela moça
o trajeto se encurta à medida que se espera
o chá servido derrama no pires
o jornal dispara notícias amenas
o bilhete é cobrado do clandestino
um ministro está a bordo
o estalo do trilho anuncia
a estação das histórias se apresenta

senhoras e senhores, sejam bem vindos à vida

– dayse hansa –
bsb, 11/06/2014

01/03/2017
(234)
mmsmarcos1953@hotmail.com

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