Ataque do pitbull

Dorido o episódio, vou sinceramente tentar descrevê-lo numa assentada, sem pesquisar coisa alguma, inclusive os jornais que reiteradamente abriram, à época, amplos espaços para as cenas de horror. Algumas facetas, portanto, imerecerão referências e lembranças,
não por desimportantes, mas, sim, por minhas falhas (deliberadas?)
de memória em trazê-las a lume. Ainda que minha mente colabore, tudo no caso em abordagem é irreversivelmente penumbroso,
além de atordoante e desolador.

Fabricio, Leonardo e Aline, faz um ano que o destino lançou-os (e mais um monte de pessoas) no protagonismo de um filme macabro, anticineparadiso. Comecemos pela descrição do local. Situava-se
em imediações do Lago Norte e se distribuía por dois (ou três) pavimentos – platô, mezanino, camarotes e pistas de dança, nos quais burguesinhas e burguesinhos bebiam (os jovens de hoje fumam pouco, quase nada, mas são perigosamente chegados ao alcóol), namoravam, ficavam, conversavam, gritavam, embalados pela típica música,
com muito deles, por escolha própria, espalhados no lado de fora,
nas calçadas, nos jardins e na rua em frente
à casa cheia que bombava na noite.

Entrementes, um massacre ultrajante acontecia.

Leonardo, menino de 18 anos, põe-se em defesa de um amigo que num gramado na parte externa apanhava do Fabricio e comparsas. Por essa atitude de coragem (de enfrentamento suicida) diante de marginais que não conhecia, Leo, sozinho (o amigo conseguira escapar), passou a ser agredido de forma selvagem e descontrolada, sem poder esboçar reação.

Provocavam choque, nos poucos assistentes da barbárie, a covardia
e a perversidade dos facínoras (3, 4, 5, sabe-se lá quantos). Mesmo
com o dito salvador caído e praticamente desacordado, continuaram os socos e pontapés, interrompidos pela sirene da viatura policial que se aproximava depois de alguém ter ligado pedindo socorro.

Internação imediata na emergência, semanas no hospital, dolorosos procedimentos cirúrgicos, boca, dentes, nariz e ossos da face destroçados (os marginais focaram a cabeça), toda a difícil recuperação (?) acompanhada pelo pai do Leo, médico (o sofrimento se agrava pelo conhecimento técnico do estado clínico do filho), pela mãe, pelas irmãs, pelas amigas, pelos amigos e… pela Aline (minha neta também estava nessa malfadada festa), que, após tantas penosas visitas, apegou-se afetivamente ao garoto (para ela até então mero desconhecido),
com quem passou a namorar, num relacionamento vigorante até hoje.

Tribunal de Justiça, vara criminal, o atento servidor público, tanto
que recebia a devida ordem de convocação, apressava-se em chamar
lá no corredor as depoentes e os depoentes para, de forma sequenciada, adentrar o recinto e responder ao que era perguntado naquela primeira audiência. De posse das quesitações feitas por defesa e acusação,
a magistrada ia interrogando, com as advertências de rigor (“declaro dizer a verdade…”), toda aquela gente predominantemente na faixa etária de 16 a 25 anos.

Rápido intervalo para menção a esses integrantes do tripé da Justiça.
A juíza, sete meses de gravidez provavelmente, desincumbia-se nos moldes profissionais. O advogado, 35/40 anos, com os pneus down, dava impressão de estar ali em atendimento a algum irrecusável pedido atravessado por parente ou amigo dele, “ô causa perdida”, devia estar se dizendo o causídico. Sou advogado, há o Código de Ética da OAB,
mas, por favor, não me censurem, porquanto, acima já anunciei, sou avô
da personagem feminina que integra aquele trio de início referido.
Por fim, a promotora, brava mulher que, reencarnando a saudosa deputada pernambucana Cristina Tavares, esgrimia arsenal acusador fulminante, decerto antecipatório do veredicto de condenação.

(Na segunda audiência, à qual não pude comparecer, presidida por juiz – a juíza em licença-maternidade -, nossa representante do Ministério Público manteve a galhardia, conforme me reportou minha filha Patricia, advogada de igual modo, sogra do Leo. Adequadamente irônica, perguntara àquele grupo de fortões na sala do TJ, caras de santinho, sujeitos contritos, se eles porventura faziam academia para, sob a forma de armários, percorrer as noites de Brasília com a nobre missão
de separar briguentos que fossem encontrando por aí.).

Do que me foi admitido perceber na primeira oitiva, e não necessariamente em sequência de importância, ressalto os depoimentos: da Aline, seguro, preciso e articulado; do Léo, sereno mas sofrido;
da mãe dele, pungente e dilacerante; do morador do apartamento em frente ao local da barbárie, testemunha ocular: corajoso e arrasador para as pretensões do acusado.

Fabricio, feita a esperada justiça, oxalá você, que já se vangloriou de sua proeza nas redes sociais, possa em algum momento se ressocializar depois dos muitos anos passados na penitenciária e, quem sabe, liderar campanhas contra a violência, contra qualquer espécie de violência.

O presente registro serve também de homenagem ao meu dileto amigo de perdas prematuras André Leal, pai do anjo de 20 anos João Claudio, espancado até a morte por trogloditas do mesmo naipe na porta de uma boate da Asa Sul.

Meu forte abraço para o André, outro para seu irmão Ricardo,
também meu ex-colega de peladas de futebol soçaite
na Asbac e um cracaço como você.

Saudades do doce pai de vocês dois, Newton Peixoto Leal, queridíssima pessoa, um dos meus mestres no Bacen.

 

01 de novembro de 2013

(018)

mmsmarcos1953@hotmail.com

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