Aviso de agradecimento (IV)
O que vi de manhã era muito melhor, ou melhor, menos pior do que vi à tarde. Mais sondas, peito arfando muito mais, sinal do enfisema pulmonar, que, soube depois, já sufocava o paciente havia tempos. Por volta das 16h10, alma apertada, esperança nenhuma, saí daquele hospital coalhado de macas, doentes em sua maioria pobres – alguns, andrajosos. A notícia chegou às 19h desse mesmo sábado. Anemia falciforme, você venceu.
Não foi possível realizar o enterro no domingo. A família lutava, digamos, contra as inevitáveis e implacáveis despesas, buscando reunir dinheiro para uma despedida digna. A arrecadação, cada um dos parentes e amigos e amigas ofertou um pouquinho, não restara suficiente. Até que entrou em cena o elenco da Secretaria de Finanças do Distrito Federal (Eunice, à frente) e complementou. E o fez sem hesitações, certamente em reconhecimento pela brilhante, encantadora e destacada participação do Léo em projeto de educação fiscal desenvolvido pelo órgão fazendário, em 2013, e que contemplou várias localidades (quase todas desassistidas) de Brasília com esquetes divertidas de modo a permitir que o público enfrentasse gostosamente tema tão árido para no fim cobrar dos governantes medidas em favor da população..
Por eu não ser tão menino assim (todo mundo acha que nunca vai ficar velho), fui a inúmeros enterros. Mas esse… que comoção. Juntou-se ali, naquele cemitério de Planaltina, onde eu nunca houvera pisado antes, um montão de pessoas, predominantemente jovens. Além dos familiares, fizeram-se presentes colegas de vizinhança, do trabalho, do teatro e das quadrilhas juninas, esses últimos vindos em ônibus próprio do grupo.
É duro, muito duro ouvir o choro generalizado e quase ininterrupto daquela coorte de atores e atrizes, de dançarinos e dançarinas na faixa etária de 20/25 anos. Inquietação e rebeldia de margem, jovens existem para sorrir e para vivificar. No final do velório, logo após a Tereza, sentidamente mas com a voz firme do povo das artes cênicas, ter lido bela mensagem de Santo Agostinho, atrevi-me a dizer algumas palavras ressaltando que já durava anos minha frustrante (porque impossível) missão: encontrar um inimigo ou inimiga do Léo. Acreditem, ele só tinha amigos e amigas.
Nessas cerimônias, pessoas surtam, cada uma a sua maneira. O féretro chega ao local da última morada, afasto-me um pouco para ceder lugar aos familiares. Nisso, um dos rapazes começa a gritar, gritar, gritar desesperadamente, lançando, pareceu-me, um convite, “Levanta daí, Léo, vem dançar com a gente. Levanta, vem dançar”, e prorrompe em choro. Os coveiros profissionalmente na função e, súbito, um baque surdo seguido de mais gritaria, só que dessa feita gritaria de muita gente, um coro assustador. Deu-se que a mãe do Léo, enfraquecida pela arrastada semana, noites insones de angustiante expectativa, desmaia e cai dentro da sepultura. A metáfora pronta. “Meu filho adorado, eu quero ir com você.”
Diante da bela mensagem, Léo, que a Dayse lhe enviou, nada mais deveria ser dito, mas achei por bem lavrar a minha também, e longa, bem longa para ficar com você mais tempo na minha lembrança.
Saudades do meu amigo.
11 de abril de 2014
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