Bacenianas (5)

A prudência ordena que eu me afaste do Ede. Se desobedeço, fico tosqueado – ou melhor, encharcado. E pela ação de instrumento empregado em outro delito, a reclamar igualmente danos morais. Guardem vocês, na mesma toada, a recomendação e não cheguem perto dele.

Bertold Brecht, o consagrado dramaturgo alemão, afirmava que crime é fundar um banco. A sua vez, John d. Rockefeller, de forma jocosa ou cínica, dizia que o melhor negócio do mundo é uma companhia de petróleo bem administrada e o segundo melhor é uma companhia de petróleo mal administrada.

O Ede, um burguês revoltado, provavelmente sempre pensasse nessas tiradas.

Filho de milico, o personagem que não quer deixar a cena não era de direita, nem de esquerda, nem de centro, kassabianamente. Talvez um anarquista, que, por desconhecer obviamente o noticiário do petrolão com suas delações seletivas ou não, lia “banco” em vez de “companhia de petróleo” na declaração do biliardário americano.

Para se “vingar” dos financistas, frequentadores por dever de ofício dos prédios do Bacen, o menino mais travesso do que menino empunhava arma especial. Não era metralhadora de traficante que mata italiano de moto. Não era fuzil de uso exclusivo das forças armadas e que encontramos em qualquer município brasileiro. Tampouco punhal dos livros do Rubem Fonseca (Raphael Montes um herdeiro?). Em suma, não rolava nada que fosse de competência do Ministério da Defesa. A coisa era mais para Ministério da Saúde, Anvisa (se existisse).

No início, falei da cautela em manter afastamento de nosso protagonista. Proceder assim dentro de um elevador lotado de passageiros é inviável. Em tais situações, não há preservar a intimidade, o ambiente exige respeito sem no entanto garantir-se êxito em tentativa qualquer de privacidade. Atenua-se o constrangimento dos viajantes compulsórios na medida em que uns se fixam no painel dos botões dos andares; outros, cabeça e pescoção para cima, a examinar a qualidade da fórmica do teto.

Era nesse ambiente exíguo e claustrofóbico que o Ede operava.

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Mal o ascensorista (já existiu essa profissão) acionasse o elevador para descer, a fera estrategicamente se postava atrás do banqueiro escolhido na roleta russa para o justiçamento. Com fisionomia de quem tinha sobre os ombros a responsabilidade de solucionar os problemas do mundo, o Ede não dava a perceber que iria atacar o homem abonado que acabara de participar de reunião com o titular da Gerência do Mercado de Capitais. 

Tal era a dissimulação que ninguém podia imaginar meu colega de Bacen carregando no bolso da calça de brim (os jeans ainda não eram tantos) enorme seringa, daquelas grossas e extremamente eficazes para os bancos de sangue se fartarem com os doadores, nem sempre voluntários se bombeiros e praças. No lado de fora da calça, entretanto, bastava apurar a visão para enxergar aquela agulha fina e torta como um pênis Peyronie. Mão direita no bolso direito, o Ede manejava com extrema perícia e sutileza o periscópio furadinho na ponta até se aproximar o máximo possível do alvo, geralmente a não mais do que cinco centímetros. Mira ajustada, comprimia a seringa e a água morninha (não podia ser fria, senão provocava choque térmico e o carrasco seria descoberto) ia alagando suavemente os fundilhos do réu, não lhe poupando também a região da virilha.

Elevador parava, o grupo se escafedia para as vielas do Setor Comercial Sul, Ede assoviando baixinho. Remanescente o banqueiro, com a mala de couro 007 (uma febre naqueles tempos), logo após em desespero ter apalpado calça e cueca molhadas. Lívido, ordenava ao ascensorista retornasse ao 13º andar (seria o 14º?). Ao reentrar na recepção, de onde saíra havia pouco, o desinfeliz inventava carecer de algumas anotações e se aboletava numa das poltronas da sala. Prestimosa – e cúmplice do sacana que aplicara a injeção no retornado -, a secretária do gerente sacava o bloquinho de papel (celular e notebook até Os Jetsons desconheciam) entregando-o ao mijão.

O pobre do banqueiro rico, mais uma vítima do Ede, permanecia ali, coitado, um bom par de horas rabiscando coisas sem nexo, garatujas, até que o generoso clima de Brasília cuidasse de secar cueca e calça, pondo-o em condições decentes de pegar um taxi, chegar ao aeroporto a tempo de fazer o check-in  e voltar  para casa, neste nosso caso no Rio de Janeiro, sede do banco da família. Na cidade maravilhosa, marcava correndo uma consulta médica para descobrir a causa daquela patologia. Nada mais vexatório do que incontinência urinária.

Preciso concluir este tópico, minha gente. Na próxima postagem, farei de tudo para dar conta disso.

13/12/2016

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mmsmarcos1953@hotmail.com

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