A História é amarela 4 (Betty Friedan)
(…) temos a deflação do ego masculino, construído sobre uma falsa imagem que ameaça ruir a qualquer momento.
Diante do risco de ser desmascarado, resta a escolha de assumir-se menor do que o imaginado ou de dobrar a aposta na agressividade. (…).
O homem diminuído não é inferior à mulher, mas alguém dentro dos seus limites reais, e a mulher enaltecida, por sua vez, diz respeito a uma reparação histórica.
– Vera Iaconelli –
Consta que foi o inventor do frescobol, esporte praticado em inúmeras praias deste país. Uma bela raquetada de criador, tirante para quem fica em espaço próximo ao jogo correndo risco de a bolinha arroxear olho. O currículo do gênio da raça, obra célebre arrimada no humor (saudades do hebdomadário O Pasquim), também enfileirava idiossincrasias.
O Millôr Fernandes era contra a obrigatoriedade do cinto de segurança em quaisquer veículos. Cuidava que o assunto não era da alçada do poder público, senão que cabia ao indivíduo, sempre soberano, decidir acerca de sua integridade física. Talvez porque à época ainda se dirigiam à la vontê automóveis (chamar de carro foi um tempinho depois), o debate foi esfriando até sumir das pautas; hoje é raríssimo o não uso.
De modo diverso, o comentário feito em relação ao movimento feminista bombou eriçando avant la lettre a patota da onda woke. Deixando de lado expressões em francês e inglês, vamos ao português do Millôr: o melhor movimento feminino ainda é o dos quadris.
Nessa toada, como que aflorou algum ódio dele a Betty Friedan (no que era correspondido), personalidade americana reconhecida mundialmente que protagonizava o movimento feminista. Urge colher as impressões de Ronald de Freitas, que a entrevistara em 21 de abril de 1971, matéria também decomposta nesta minha série das Páginas Amarelas de Veja.
Revela-nos nominado jornalista que Betty (igualmente ao Ronald, não cito aqui, na segunda e terceira referências a ela, o sobrenome, costume nos EUA), “na conversa mais informal, ela dá a impressão de estar fazendo uma conferência para um auditório universal. Depois de cada frase, sempre com palavras escolhidas e argumentos bem encadeados apesar de sua incrível rapidez verbal, seus grandes olhos esverdeados se abrem curiosos procurando nos interlocutores os menores sinais de concordância.
Salto o trecho que aborda a conclamada feiura dela (o que induziu machistas a cunhar que toda feminista é feia e mal-amada) e transpasso, para este blog do Z4 da Série C do Brasileirão, palavras da Betty pinçadas de sua entrevista concedida, vale reenfatizar, há mais de cinquenta e três anos.
– Eu, pessoalmente, nunca fui contra o uso de cosméticos ou de sutiãs;
– Acho que o homem e a mulher têm real necessidade um do outro, necessidade de uma intimidade a longo prazo. A única coisa que eu questiono são os obsoletos papéis atribuídos a cada sexo;
– O casamento não tende a ser eliminado, mas sim reestruturado. Em linhas que permitam tanto ao homem quanto à mulher compartilhar igualmente dos privilégios, das oportunidades e dificuldades da vida a dois, da família, dos filhos. Haverá uma espécie diferente de lar e mesmo novos tipos de aparelhos domésticos. Porque não se verá tanta virtude no fato de a mulher ficar encerando a casa, limpando o pó ou varrendo (…).
– Os lados positivos continuarão e sempre será feliz e gostoso voltar para casa e descansar e amar, gozar da beleza, dos amigos, dos filhos. Mas não será mais virtude para a mulher ser dona da casa. Além da dona da casa, haverá também o “dono da casa”. A casa para os dois, e não os dois para a casa;
– Poucas mulheres são doutoras, advogadas, poucas podem tomar decisões na política. Nenhuma mulher pode fazer leis ou mudar a própria situação;
– Nós queremos participar dos sermões e ajudar a reformular a moral e a teologia para refletir a presença da mulher pela primeira vez na história;
– Nesses últimos anos, na América, cada vez mais homens, especialmente jovens, veem a sua libertação ligada à libertação da mulher;
– A outra face do problema é a libertação do homem da “mística masculina do machismo”. Por que os homens devem morrer dez anos antes das mulheres? É preciso modificar esses números. A mulher e o homem compartilhando igualmente do fardo econômico: será a libertação dos dois. A libertação, por exemplo, desse tipo de masculinidade obsoleta: para que grandes músculos quando não há mais ursos para matar?
– O Brasil é um país incrivelmente belo. Há nele enormes possibilidade, enormes desafios, tanto espaço! (…) eu espero que mulheres e homens brasileiros encontrem diretamente essa igualdade sem passar pela fase de tradicionalismo por que estão passando os Estados Unidos. Algumas mulheres que encontrei no Brasil, da classe média, estão tentando sair dos velhos esquemas, especialmente voltando para as escolas e universidades depois de adultas;
– A mulher deve ter uma oportunidade igual de liberdade econômica. Por exemplo: se essa oportunidade for igual, os homens poderão ter outras oportunidades interessantes. Quando nascem os filhos, em vez de só a mulher ter a licença para a maternidade, o homem também deveria ter uns dias de folga. Seria uma espécie de licença-paternidade, para ficar em casa junto com o filho pequeno. Isso porque, quando a mulher tem o filho, é muito melhor para a criança ser cuidada igualmente pelo pai e pela mãe.
E agora dou por terminada esta postagem nos mesmos moldes empregados pela Veja reproduzindo as últimas palavras da entrevistada:
– Um país como o Brasil não pode se dar ao luxo de desperdiçar o tremendo potencial de energia ainda não usada e contida nas mulheres que passam os dias fazendo tarefas inúteis ou nos salões de beleza. O seu desenvolvimento se ressentirá profundamente disso.
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31/12/2024
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