Obsessões musicais (XXIV)

Quando alguém vier com certezas muito definitivas sobre o nosso passado ou uma narrativa esquisita, respire fundo e pergunte, pergunte como se não houvesse amanhã.
– Leandro Beguoci –

Alongado o nosso caminho na direção da matéria obsessiva, um samba enredo, que primeiramente evoluirá  pela televisão para, desfile seguinte, adentrar a avenida com a escola Imperatriz Leopoldinense.

1971/1972, ditadura adensada pelo AI 5. Ao Dias Gomes (esquerdopata, na classificação preferida pelos obreiros do capitão), restava escrever telenovela que aparentemente não afrontasse as forças políticas dominantes no país. Excogitou o dramaturgo obra literária que refugia da abordagem direta das façanhas da turma verde/azul/branco, sem entretanto desprezar críticas sutis ao autoritarismo nas suas mais diversas modalidades. Numa antevisão desta nossa era miliciana, timbrou em salientar as nuanças do submundo da contravenção, erigindo dois “coronéis” do jogo do bicho, rivais que se odiavam mortalmente: um, o protagonista, pai de um rapaz atormentado, e o outro personagem contendor, pai de uma moça idealista. No desenrolar da trama os dois jovens se enamoram e acabam casando, tirada shakespeariana.

Falamos de Bandeira Dois, uma das melhores criações da teledramaturgia brasileira. Para quem duvida e torce o nariz, basta prestar atenção em alguns dos nomes do elenco. Cumpre dar início com Paulo Gracindo (Tucão) e Felipe Carone (Jovelino Sabonete), que poderiam sustentar, sem queda de audiência, dezenas e dezenas de capítulos somente com eles dois na telinha, esnobando a coadjuvância dos atores e atrizes do folhetim.

Prossigamos – sem declinar personagens. Marília Pêra (merecia dois Oscars, Pixote e Central do Brasil), Milton Moraes (um José de Abreu sem assédio), Grande Otelo (Zé Catimba macunaímico), Ziembinski (puta diretor de teatro), José Augusto Branco (galã, bom ator) José Wilker (um faz tudo das artes cênicas), Stepan Nercessian (Marcelo Zona Sul), Elizângela (Capitão Furacão) e Osmar Prado (puta ator, participara há cerca de quatro décadas no Leblon – ou seria em Copacabana? – de um curso de artes plásticas com minha tia Bebel, ainda vogando por estas plagas com seus 93 anos de idade).

Houve aviso prévio de que não se estava blefando. Querem mais? Então, acrescentemos Ary Fontoura (maluquete genial), Eloísa Mafalda (puta atriz sempre engraçadíssima), Oswaldo Louzada (Louzadinha), Ilka Soares (bela atriz, bela mulher) Francisco de Franco (vide Milton Moraes), Miriam Pires (puta atriz rabugenta), Anecy Rocha (elevador desgraçado) e Henriqueta Brieba (atriz nascida em Barcelona, cultura na veia).

Com algumas omissões, a listagem vem de ser fechada.

Súbito, vindas não sabemos de onde, assomam ao teto do teatro por entre varas e refletores mais três figuras: Rogério Fróes (vivinho da Silva, oitentão, dezenas de peças teatrais, dezenas de novelas, pai de duas atrizes); Plínio Marcos (precisa comentar algo de quem, juntamente com o Luis Gustavo, já arrebentara em Beto Rockfeller, novela de 1968 icônica e quase sem registros de memória) e por último mas não menos relevante Milton Gonçalves (barbarizando até hoje na boca de cena, além de acumular o papel na vida real de lídimo representante da luta contra o racismo).

Essas feras do Saldanha mereciam trilha sonora de gabarito, a qual foi efetivamente concebida, sobressaindo desde logo a música de abertura. Germinou nos anos de 1920, calcada em ideia prescrita em poema do modernista Cassiano Ricardo, a de que a mistura de raças no Brasil configura aglutinação profícua, todas elas trouxeram amor, embora sob a ótica do racismo estrutural se possa literalmente repudiar que o negro trouxe a noite na cor, verso anteposto ao que frisa a galhardia do branco.

O debate fica para ocasião próxima. Por ora, degustemos a performance do ZP

Martim Cererê

Vem cá Brasil
Deixa eu ler a sua mão menino
Que grande destino
Reservaram pra você

Fala Martim Cererê
Lá lá lá lá lauê
Fala Martim Cererê
Lá lá lá lá lauê
Fala Martim Cererê

Tudo era dia
O índio deu a terra grande
O negro trouxe a noite na cor
O branco a galhardia
E todos traziam amor

Tinham encontro marcado
Pra fazer uma nação
E o Brasil cresceu tanto
Que virou interjeição

Gigante pra frente a evoluir
Laiá laiá
Milhões de gigantes a construir
Laiá laiá laiá
Gigante pra frente e a evoluir
Laiá laiá
Milhões de gigantes a construir
Laiá laiá laiá

Fala Martim Cererê
Lá lá lá lá lauê
Fala Martim Cererê
Lá lá lá lá lauê
Fala Martim Cererê

– Zé Catimba –

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09/08/2020
(318)
mmsmarcos1953@hotmail.com  

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