Obsessões musicais (III)

 …Quando eu ficar mais velho,
perdendo meus cabelos/
Muitos anos adiante/
Você ainda irá me mandar
presentes no dia dos namorados/
Saudações no aniversário, garrafa de vinho?/
Se eu estiver fora até quinze pras três/
Irá trancar a porta?/
Você ainda irá precisar de mim,
ainda irá me alimentar/
Quando eu estiver com sessenta e quatro…
(When I'm Sixty-Four  – The Beatles)

A música de abertura, uma de minhas fixações, não será objeto desta postagem, me situo bem distante dos sessenta e quatro anos…

Abrindo campo para a dura realidade e de conseguinte para a sensatez, já começo a ter identificações, já começo a ter relacionamento direto com a historinha da letra acima – descrita em parte -, que foi dada à luz pela banda que saíra de Liverpool para se erigir como a maior do mundo, decerto por todo o sempre.

Desde a época primeva, propalam que, quando vai atingindo uma certa etapa da vida, lá pelos cinquentinha, o homem começa a jogar as asas para mulheres bem mais novas. Vaidade, machismo, fuga à velhice… Não me atreverei a debater em profundidade o tema, uma vez que não sou psicólogo nem psicanalista, pouco conheço da alma humana. Tirante os contadores de proezas nos botecos e seus acólitos (acabei de ler o Antonio Risério, “homem falando de sexo mente mais que pescador”), o povão faz, não raro, críticas impiedosas a esse tipo de comportamento, coisa de velho babão.

São uniões que na grande maioria dos casos (sem trocadilho), transcorrido algum tempo, costumam degringolar, fazer água. A partir daí, se não é desviado por infarto fulminante, o gajo ruma rapidinho para os sessenta, limiar dos setenta, batata dos oitenta assando. Na última quadra de nossa penosa existência, cada década se esvai a cada trezentos e sessenta e cinco dias.

Carioca/candango e filho de mineiro, sento-me diante do padre no confessionário e através da telinha quadriculada de madeira, contrito, vou logo revelando, ao dogmático e mal humorado funcionário da igreja do papa argentino mas do mundo inteiro, que existe uma mulher…

Uma mulher. Não uma menina, que é como ela aparece no filme.

Parênteses: desde os meus tempos de faculdade de Direito, posicionei-me categoricamente contra a pena de morte, uma barbárie praticada sob coordenação dos poderes públicos. Sem ser uma metamorfose ambulante conforme cantou o Raul Seixas, no que foi replicado por um homem então barbudo e hoje um senhor envelhecido e de rosto escanhoado, vejo-me aflito e sem nenhuma esperança quando deparo um pedófilo (felizmente, pedófilas quase não existem). Em face de eventual novo ordenamento jurídico e respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa, se o indivíduo com a mente estuprada, nunca imune à reincidência, recebesse letal injeção, devo admitir que eu não sentiria revolta – antes, minha sensação talvez fosse de alívio.

Retorno ao lirismo. Por que grandes jornalistas têm seus musas e eu não posso ter a minha? Tenho, sim. Traço comum: ela tem um teatro (no Rio de Janeiro; o meu, Mapati, em Brasília), recebido da mãe, que a sua vez o herdara do pai. Portanto, o espaço artístico situado na Cinelândia atravessa três gerações de proprietários e não tem rival.

A caminho dos quarenta anos, belíssima Leandra, moça leal, nunca me conceda descansar.

foto: Instagram @leandralealfoto: Instagram @leandraleal

A OSTRA E O VENTO

Vai a onda
Vem a nuvem
Cai a folha
Quem sopra meu nome?
Raia o dia
Tem sereno
O pai ralha
Meu bem trouxe um perfume?
O meu amigo secreto
Põe meu coração a balançar
Pai, o tempo está virando
Pai, me deixa respirar o vento
Vento

Nem um barco
Nem um peixe
Cai a tarde
Quem sabe meu nome?
Paisagem
Ninguém se mexe
Paira o sol
Meu bem terá ciúme?
Meu namorado erradio
Sai de déu em déu a me buscar
Pai, olha que o tempo vira
Pai, me deixa caminhar ao vento
Vento

Se o mar tem o coral
A estrela, o caramujo
Um galeão no lodo
Jogada num quintal
Enxuta, a concha guarda o mar
No seu estojo
Ai, meu amor para sempre
Nunca me conceda descansar
Pai, o tempo vai virar
Meu pai, deixa me carregar o vento
Vento
Vento, vento

19/01/2017
(226)
mmsmarcos1953@hotmail.com

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