Cristalina (III)
Deflagrou-se processo de efetiva aproximação afetiva. O garoto, chorão paca como vimos, passou a vir a Brasília conosco, em fins de semana alternados, às vezes dormindo em nossa casa, sempre em companhia da mãe ou de um dos irmãos mais velhos.
Que reste bem esclarecido: jamais cogitamos, nem o devíamos, ficar em definitivo com o menino.
Nós dois, eu e Tereza, tínhamos plena consciência de que a partir dali o Fernando haveria de ser nosso amigo, vocacionado para fazer parte de nossa vida mas sobre quem, em nenhuma condição, descarregaríamos nossa dor e tristeza pela perda do Tiago. Comprometemo-nos a um aconchego leve e sem neuroses, nada mais do que um casal jovem a dispensar atenções de toda natureza a família goiana muito unida e apegada.
Estávamos tão convictos de nosso propósito que anos depois o Zé, sem nenhuma malícia, nos oferecera a guarda do filho. Recusamos polidamente, com muito jeito. A relação era só de amizade.
E fomos nessa toada durante anos, no início reiteradas viagens ao som do U2 no rádio da caminhonete de passeio que desde muito tempo não é mais fabricada. Nossas duas filhas, harmoniosa e carinhosamente, “incorporaram” o novo membro. Dir-se-ia que um núcleo familiar preenchia os vazios do outro. A gente, de cá pra lá; eles, de lá pra cá, numa integração cujo elo era o menino de Cristalina. À medida que ele crescia, inviabilizavam-se obviamente quaisquer possibilidades de comparações, não dava para um ser a cara do outro, pois meu filho fechara seu ciclo existencial e o seu rosto subsistiria para todo o sempre com a mesma imagem – a de uma criança de dois anos e meio de idade.
O Teatro Mapati ainda em sua fase larvar e já o Fernando em duas ocasiões incursiona pelo segmento artístico.
27 de dezembro de 2014
(110)
