Folha Centenária

            Além das fontes  MovimentoO Pasquim e Lampião da Esquina, pelotões da imprensa alternativa que devolviam traulitadas nos milicos e na impávida turma da ajuda civil (que saudade dos escritos do Otto Maria Carpeaux), minha busca de formação/informação no início e meados dos anos setenta era efetuada nas páginas do Jornal do Brasil (o famoso JB, não confundir com o whisky J&B), da Tribuna da Imprensa e de O Globo. Quanto a revistas, erigiam-se a semanal VEJA e a então mensal ISTOÉ, ambas comandadas sucessivamente pelo Mino Carta.

            Por outra parte, meu enrosco com a Folha de São Paulo (era conhecida assim) se operou exatamente a partir de 1975 em virtude das diatribes do Paulo Francis e das análises e comentários do Alberto Dines. (Duma feita, hospedado no morto/ressuscitado/ressuscitado morto/ Hotel Gloria do Rio de Janeiro, avistei o judeu erudito na recepção; provavelmente, também hóspede. Desempenhei meu papel de tiete: emocionadíssimo, implorei, e recebi, sincero e afetuoso abraço do titular da “Jornal dos Jornais”, destemida e admirável coluna que desancava os próceres da imprensa e os deuses jornalistas (sim, eles se consideravam muito mais do que semideuses.)

            Neste torrão – eterno país do futuro -, o Dines descortinou o caminho para os ombudsmans, hoje o termo correto seria, digamos, ombudswomans, tal o número de mulheres encartadas nessa função, quase todas elas empoderadas e competentes no exercício de seus mandatos.

            Um jornal fazer cem anos de existência aqui, no Brasil, não é bolinho (para usar um termo caro a meu pai). De conseguinte, nada mais justificável seus colaboradores e colaboradoras prestarem suas homenagens ao empregador centenário; daí eu haver separado dois times de futebol de campo , 11 + 11 = 22, que não jogam um contra o outro, mas no tapete verde se misturam na louvação.

            Homessa, são 23, esqueci um, logo o que acumula as funções de árbitro do gramado e árbitro de vídeo (esse funciona, não sendo pois aquele do jogo do Inter que condenou meu Vascão a descer injustamente para a Série B).

            Em suma, conheçamos agora o primeiro time, respeitada a ordem alfabética. Os outros 11, bem assim o chefe do VAR com sua manifestação, apenas na próxima postagem.

Ana Cristina Rosa – … sequer imaginava que um dia faria parte do time de colunistas de opinião do jornal que este mês completa 100 anos. Gostaria de poder dizer ao seu Frias o prazer que sinto em publicar neste espaço.

Cida Bento – Na semana em que esta Folha completa 100 anos, que ela possa continuar a sua própria mudança em questões centrais como a abordagem às ações afirmativas. Anteriormente, seu posicionamento era contrário, porém na atualidade ela própria vem desenvolvendo ações no sentido de ampliar a multiplicidade de vozes dentre seus articulistas, bem como de pautas e conteúdos, que trazem diferentes perspectivas para os desafios enfrentados pelo país.

Daniel de Mesquita Benevides – Escrever e procrastinar são os verbos contrários que formam o jornalista. Um não existe sem o outro, pois é na tensão do tempo afunilado que o texto se faz. (Em crônica famosa, Rubem Braga dizia que o cafezinho serve até para adiar o destino.) … Nesses momentos, em que a preciosa rubiácea une as pessoas, o que inclui colaboradores e entrevistados, conversas podem virar notícia. E notícias são os rascunhos da história, como diz a personagem de Meryl Streep em “The Post“. Um brinde, pois, a todos os que fizeram e fazem “rascunhos da História” na Folha. Um brinde, também, a todos seus leitores. Cent’anni!

Delfim Neto – Ao longo desses últimos 35 anos, pude participar junto com a Folha de sua extraordinária progressão, que atingiu uma análise dura, mas isenta. O país evoluiu de maneira formidável neste período, com a incorporação das Forças Armadas na democracia, a promulgação da Constituição de 88, com seus erros e acertos, e a consagração do período democrático, com eleições livres, avanços econômicos, sociais e institucionais que por vezes perdemos de vista frente aos ruídos da realidade instantânea. Um viva para a Folha de S.Paulo, que tanto contribuiu e tanto há de contribuir com o Brasil ao cumprir com distinção todos os papéis que cabem à imprensa.

Djamila Ribeiro – Pensei durante a semana no que escreveria —de uma certa forma elogiar a história do jornal me pareceria um tanto quanto artificial, uma vez que faço parte de um povo apartado das páginas da imprensa brasileira a não ser em páginas policiais, nas tiras de humor para manifestação do racismo e nas páginas de Carnaval (…). Ao lado de companheiros e companheiras, como Cida Bento, Marilene Felinto, Thiago Amparo, Dodô Azevedo, Silvio Almeida, a ombudsman Flavia Lima, entre outras e outros, fazemos nossa parte em colunas de opinião nessa luta histórica (…). Somos poucas e poucos nesse espaço e na imprensa em geral. Na televisão, sobretudo. Contudo, este jornal tem ocupado um lugar de destaque entre seus pares na publicação de vozes negras que se servem e dizem o que querem e não apenas o que o poder colonial quer ouvir.

Dodô Azevedo – 27 anos atrás, no dia 11 de julho de 1994, eu publicava meu primeiro texto em um jornal. Este jornal era a Folha. Na época, eram poucos os jornalistas e colaboradores negros na redação. Hoje, aos 100 anos, há mais. Ganha o jornal. Ganha o leitor (…). Dizem que uma das grandes tragédias humanas é o fato de nosso intelecto chegar no auge da maturidade quando nosso corpo envelhecido já não pode mais desfrutar dela. Diversa, fora do armário, polifônica, a Folha resista, aos 100 anos de idade, à plastificação do mundo. Essa dicotomia. A folha de papel. E o papel da Folha.

Elio Gaspari – A Folha de S.Paulo comemorou seu primeiro centenário e, num pequeno e delicado artigo, a jornalista Ana Cristina Rosa retratou a alma de Octavio Frias de Oliveira, seu dono de 1962 a 2007. Quando Frias morreu a empreitada ficou com seus filhos. A história contada por Ana Cristina diz tudo. Há 20 anos, ela era uma jovem jornalista e, ansiosa e insegura, foi entrevistar o Frias (ele tinha horror a que o chamassem de “senhor”). Na saída, presenteou a moça com um livro e, na dedicatória, chamou-a de “terrível inquisidora”. Ela agradeceu: “Esse seu ‘terrível’ tem duplo sentido, mas vou tomar como elogio. Obrigada. Ah, e vou guardar bem esse livro para apresentar aqui na Folha quando eu precisar de emprego”. Frias respondeu: “O sentido é único e está bem claro. Quanto ao emprego, é seu quando quiser. E não precisa trazer o livro”. Esse era Frias. Gentil, abertamente afetuoso e, acima de tudo, atento. Sua alma ficou no jornal.

Flávia Boggio – … sobreviveu a todo tipo de concorrência, como a era digital, as redes sociais e a polarização, com a direita dizendo que o jornal é de esquerda, e a esquerda dizendo que o jornal é de direita. Coisas que seus fundadores não imaginariam nem nos seus sonhos mais malucos.

Hélio Schwartsman – Mesmo com tantos anos de vida e com toda essa experiência, assim como ocorre com toda mulher que envelhece, as pessoas insistem em dizer o que ela deve ou não fazer. Entre o dogmatismo com tons religiosos e o cinismo niilista, sobra bastante espaço para relatos que, sem a pretensão de verdade acabada, procuram honestamente estar tão perto dos fatos quanto possível. Errando e acertando, é o que chamamos de jornalismo, e é o que a Folha procura fazer. Ao menos foi isso o que testemunhei ao longo de 1/3 dos 100 anos desta Folha.

Juliana de Albuquerque – Nesta semana em que a Folha comemora o seu primeiro centenário, pergunto-me, portanto, quantas lembranças podem advir da leitura de um jornal? Ora, há quem tenha um relacionamento pragmático com as informações e estude o noticiário como quem consulta a previsão do tempo. Eu, no entanto, festejo na leitura de cada manchete as oportunidades que ainda tenho de acompanhar os meus pais na leitura da Folha aos domingos, a compartilhar causos da minha época de escola e de um Recife que, hoje, talvez, só exista mesmo nas nossas recordações.

Lúcia Guimarães – A Folha inicia seu segundo século sob o desafio constante de desmentir as palavras ouvidas pelo repórter Ron Suskind (“O mundo não funciona mais assim. Quando agimos, criamos a nossa própria realidade”). Mas, talvez, com a vantagem dos anticorpos da memória do que já enfrentou.

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02/03/2021
(329)
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