Memórias/Memorialistas (XIX)

Vamos continuar a amarração dos trechos, ainda do primeiro volume, nos quais o Pedro Nava retrata a agonia dos que, para nosso deleite, urdem reminiscências coligando o passado ao presente sem tisnar a realidade.

“(…) A essas analogias podem servir ainda certos fragmentos de memória que – como nos sonhos, surgem, somem e remergulham feito coisas dentro de uma fervura de panela. Pedaços ora verdadeiros, ora ocultos por um símbolo. São tudo chaves, as chaves que eu também usei para abrir nossa velha casa e entrar, como nos jamais (…). Dela tenho recordações pessoais e não as recordações de Proust. Recordações que não posso sacrificar porque o último também as teve. Não as roubei (…).

Notem que o mineiro genial é um fingidor porque não há como admitir tenha penado tanto para descrever o que já acontecera. A marca que fica é de palavras ininterruptamente jogadas na tela, sem sacrifício algum para o artista, que pinta letras duras mas poéticas. Diante de fertilidade literária impressionante, os ledores puxamos com acuidade o que ficou para trás, no embalo da visão retrospectiva dilatada que o escritor nos proporciona.

https://www.flickr.com/photos/leandromonteirorj/5378701207
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“(…) Diante de nossa casa, outro morro, esse coberto de vegetação e diante dele o fuste das palmeiras imperiais que enchiam os jardins do 115. Conforme a hora e a disposição dos ares, elas ficavam ora imóveis, como medusas pendendo entre duas águas, como um índio imenso com o cocar parado nas esperas da tarde, ou então se punham em movimento: eram polvos remexendo os tentáculos, caranguejeiras contraindo longas patas penugentas, Antígonas sacudindo cabeleiras desesperadas, esqueletos dizendo adeus! ou bracejando e chamando em gestos de solene oratória. Às vezes eram escalpeladas pelos tufões e ficava só aquele dedo descarnado e apontando o céu, coluna de ruína, como as colunas de Persépolis.”

E quando, deslumbrados, saímos do transe percebemos que ao longo dos seis livros de memória o burilamento dos episódios, paradoxalmente, mais ainda nos aproxima da verdade cênica, sem encobrir o Nava eventualmente vilão juramentado.

 

12 de outubro de 2014

(098)

mmsmarcos1953@hotmail.com

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