O satânico Dr. No

Consta ser um ditado chinês: nunca volte ao lugar onde você já foi feliz.

Há coisa de uns dois meses, “revisitei” um local de minha felicidade, através de uma tela, a da televisão. Sintonizei o canal fechado, aguardei ansiosamente o início do filme, o qual virara um clássico, o primeiro da sequência “Bond… James Bond” e seus carros e trilhas sonoras maravilhosos.

Aqui, salto a parte inicial da fita com o ainda “solteiro” escocês e mergulho na famigerada cena em que emerge das águas azuis a minha protagonista e a de milhões de pessoas espalhadas pelo mundo, a deusa belíssima, biquini branco, com faca e tudo, uma caçadora de conchas que lá pra frente vai dormir de conchinha com aquele homem deitado na areia, lívido ante a visão da sereia saída dos braços de Netuno. Ressalve-se que ali, no teatro marítimo de operações, fascínio e paixão se externalizam de modo disfarçado pois um agente do serviço secreto britânico com autorização para matar não pode esmorecer e sinalizar fraquezas do coração.

Não conheço a Jamaica e suas praias paradisíacas (por que praia é paradisíaca? por que natureza é exuberante?). Desejo meu de viajar para lá não falta, talvez me falte um pouco de dinheiro, dólar a quatro pratas. No voo turbulento para a terra do reggae, o diabinho de olhos puxados deixará a classe executiva só para perturbar meu sono já nem tão suave na massacrante poltrona da classe turística. O capiroto me fará repetir ad nauseam, ajoelhado no milho, o provérbio chinês lá de cima soprando no meu ouvido que

– o Dr. No usa roupa branca (homenagem à Iemanjá?), a calça pescando siri;

– a mocinha como que espera sempre o mocinho autorizar o ínicio do namoro, das carícias. Se fosse hoje, as feministas o despachariam para o fogo dos infernos;

– pela primeira e única vez, Bond teme uma aranha;

– os serviçais orientais só servem;

– o dragão que à noite cospe fogo na praia e atemoriza  a mocinha, os nativos e os preadolescentes da plateia do cinema foi emprestado aos produtores pelo dono do parquinho Nicolândia em Brasília para ser usado no set de filmagem;

– o malfeitor (antigamente, anátema) prende todo mundo na sua cidadela, mas deixa à solta a canastrice da maioria dos atores e atrizes;

– na cena de suspense final, nosso herói a serviço de sua Majestade, mais rapido do que alguns adversários de alguns dos nossos festejados lutadores de MMA, liquida implacavelmente o inimigo, que com sua mão de ferro vai escorregando pelo módulo até se desmanchar no tanque de ácido;

– a cavalaria americana avança pelo mar e, surpresa geral, nem precisa salvar o casal amantíssimo (Sean e Ursula nariz de Pitanguy), àquela altura os dois já enrodilhados no bote que roubaram de um pesque-pague.

Ainda não vi o último 007  – o que por assim dizer ressuscita o Dr. No e até já saiu de cartaz -, mas estou doido para assistir.

http://vejasp.abril.com.br/blogs/miguel-barbieri/2012/10/26/por-onde-ursula-andress-a-primeira-bond-girl-de-007/
http://vejasp.abril.com.br/blogs/miguel-barbieri/2012/10/26/por-onde-ursula-andress-a-primeira-bond-girl-de-007/

 

12 de janeiro de 2016

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mmsmarcos1953@hotmail.com

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