Cristalina (XI)
Sobrelevava minha preocupação extrema ante os rumores na cidade de uma iminente vindita. Considerado foragido a partir do momento em que deixara o galpão da fazenda decidido a não retornar para casa, o Zé era pai de filhos de todas as idades (Fernando, o caçula), que poderiam sofrer consequências de eventuais desatinos por quem não conseguisse viver sem alvoroço e conformado de ver o parente dado às letras ser morto brutalmente.
Daí que em paralelo me articulei com os familiares enlutados do poeta no sentido de colher deles algum compromisso moral de não ocorrerem retaliações quaisquer, no que obtive certo êxito.
Após errar durante uns meses por municípios mais afastados e não populosos do Tocantins, inclusive reunido com sua família nessa desgraceira toda, o Zé retornou a Cristalina, foi julgado e condenado, cumpriu parte da pena e, no desfrute da liberdade, voltou a morar na mesma casa fronteiriça ao quartel e com a Maria de sempre – pacífico que nunca iremos saber se, no complicado terreno das paixões, ela estaria no mesmo diapasão do abilolado marido.
Sem me afastar dessa linha de incertezas, dúvidas e perplexidades, sou compelido a mais dois registros: ignoro (e hoje para mim é irrelevante pesquisar) se ele acabou preso pelas forças policiais ou se entregou pacificamente; como foi possível brotar um homicida no seio daquela pacata família?
24 de abril de 2015
(128)