Hey Jude (II)

Com o Planalto Central ainda castigado pela baixíssima umidade do ar neste domingo dois patinhos no lago Paranoá quase impotente (cadê a chuva?), volto ao note e especulo: a esta altura, o Paul McCartney, já muito longe de São Paulo, deve ter deixado o México e realmente… Realmente, devo confessar, não sei por onde ele anda. Cadê o ex-beatle, um dos maiores artistas do mundo?

Por ora, não importa para nós. Quem se encontra em nosso palco iluminado é a discussão sobre o poder do estado (e dos produtores de evento)  no estabelecer a idade mínima para crianças (acompanhadas dos pais ou responsáveis, se menores de dezesseis anos) assistirem a shows noturnos de música em estádios de futebol.

Na postagem anterior, inaugural, publicamos registro feito por um pai, revoltado porque a filha de nove anos fora barrada por força de determinação judicial nesse sentido, suscitada pelos organizadores, mesmo diante do fato de que a criança entraria com ele e a mãe dela.

Nesta, desvelando o ovo da serpente, vamos reproduzir o depoimento de outro pai, jornalista, portanto senhor das palavras pela profissão e, no meu juízo, senhor da razão, haja vista que carregado de fundamentos os mais procedentes e irrefutáveis, expostos no que o autor denomina com modéstia de “relato” – e não de “reclamação”, o que seria mais adequado – sobre o vertente tópico, a tensão entre pátrio poder e classificação etária. O início se dá com uma expressão em latim, mas o texto é escorreito e pois de fácil leitura e assimilação.

“Confusa lex, sed lex

“Eu não vou reclamar, juro pra você. Eu sabia desde o início que a ‘classificação etária indicativa’ para os shows do Paul McCartney no Brasil era a não muito empática ‘não será permitida a entrada de menores de 10 anos’ e meu filho mais novo, e mais fã, tem apenas oito e meio.

“E a lei é lei, mesmo quando é confusa, arbitrária e incoerente.

“Então o que segue não é bem uma reclamação. É só um relato do que eu descobri nos quase cinco meses em que passei tentando descobrir os limites. Na verdade, tentando descobrir o que diabos significa e a quem serve a ‘classificação etária indicativa’ – e como eu poderia usar da minha prerrogativa de pai para levar meu filho para ver um reles show em São Paulo que eu julgo muito importante para a formação dele.

“O relato abaixo talvez sirva para meus colegas jornalistas que eventualmente estejam produzindo alguma pauta nesses tempos em que se discute a segurança da criança e os direitos do pai: 

“Bem, os ingressos para todos os shows da turnê brasileira de Paul McCartney foram colocados à venda a zero hora do dia 08 de maio. Para minha surpresa, diferentemente das outras milhares de passagens de Paul pelo país – quando eu mesmo vi diversas crianças pequenas em seus shows, sem que nenhum incidente tenha sido registrado – desta vez foi anunciado que menores de dez anos não seriam permitidos. Entre 10 e 16 anos, só com responsáveis. Antes que os ingressos fossem postos à venda, passei dias conversando com advogados, educadores, jornalistas especializados em roteiro cultural, e cheguei mesmo a ir ao Conselho Tutelar: ninguém parecia totalmente convicto a respeito do sentido da lei, nem se ela se sobrepõe ao meu direito de expor meus filhos ao que eu considero adequado à sua educação cultural.

“Um amigo jornalista me soprou o texto que me parecia a mais razoável: cabe aos pais ou responsáveis autorizar o acesso de suas crianças e/ou adolescentes a diversão ou espetáculo cuja classificação indicativa seja superior a faixa etária destes, porém inferior a 18 anos, desde que acompanhadas por eles.

“(Na verdade, o texto em itálico é o que diz a Portaria nº 1100, de 14/07/2016 do Ministério da Justiça, a mesma afixada em todos os cinemas – negritei. Marcos).

“Comprei os ingressos online porque me bastava para isso o CPF do titular do cartão. Soube depois que amigos que tentaram comprar presencialmente para seus filhos tiveram sua compra negada. Com os ingressos pagos, começou minha jornada em busca da certeza de não ser barrado na catraca.

“Eu queria alguma luz, o que encontrei foi justamente escuridão.

“Comecei do jeito simples, ligando para a T4F, produtora do show. O atendente disse que não poderia permitir o ingresso do meu filho, porque ‘o alvará’ o impedia. Pedi então para ter acesso ao documento, para que pudesse ser analisado por meu advogado, mas o rapaz me respondeu que eles só teriam acesso a ele ‘alguns dias antes do show’. Então lhe fiz a pergunta óbvia: se o alvará é que determina a classificação etária, como já existe uma classificação indicativa? E veio a resposta óbvia: ‘Não sei, mas posso encaminhar sua dúvida internamente’. Imaginei que sozinho conseguisse respostas mais rápidas. Agradeci e desliguei.

“Escrevo esse texto faltando cinco dias para o show. Entrei no site oficial da T4F e no bannerzinho ‘alvará’ embaixo da foto do Paul McCartney, há um link que me leva para um pdf com diversos eventos passados:

“Troquei mensagens com alguns promotores de shows (um deles, aliás, ligado ao próprio show em questão). Foi quando recebi a sugestão de entrar com o pedido de liminar junto à Vara da Infância.

“Passei semanas reunindo documentos, mostrando que eu estaria presente, que a mãe também autorizara, que haveria dois adultos zelando pelo menino, que eu havia cuidado de comprar ingressos nas cadeiras inferiores para evitar as aglomerações da pista, que eu sou jornalista acostumado a grandes eventos, que ele próprio já havia ido a diversos shows musicais e que aquela poderia ser a última chance de meus filhos assistirem ao cara que eles jogam no Rock Band The Beatles. Que, em que pese o sentido da classificação etária (não que eu enxergasse o sentido, mas, vamos lá), o que eu estava pleiteando era sensibilidade para um caso que me parecia excepcional.

“Aí começou a parte mais insólita…”

#Confusa lex, sed lex    #Poder do estado    #Show em estádio de futebol    #Classificação etária indicativa    #Portaria nº 1100, de 14/07/2016 do Ministério da Justiça    #Alvará judicial   #T4F (produtora)

22/10/2017

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mmsmarcos1953@hotmail.com

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