Memórias/Memorialistas (VIII)

Uns elogiam Brasília, outros jogam pedras. Existem aqueles que fazem as duas coisas.

Não fuja, não me abandone, Conceição, vamos sofrer juntos e continuar na prazerosa(?) companhia mineira do homem do Brasil que, numa inflexão, traz outra reflexão sobre a Capital da Esperança, àquela época – mais de cinco décadas por transcorrer – pura esperança, puro sonho.

“(…) Mas Brasília tem os seus graves aspectos negativos.

“Materialmente, além das insuficiências naturais de uma cidade inaugurada há dois meses, outras existem que se afiguram permanentes. A arquitetura de Niemeyer, de incontestável beleza, carece, a meu ver, de imponência e até de austeridade, quanto aos monumentos que são, ao mesmo tempo, serviços públicos. É possível que seja, sòmente, falta de hábito, e que a insistência e propagação destas leves formas novas dêem ao espectador do futuro uma outra impressão, menos ligeira e festiva, mais austera e imponente, como convém aos palácios do Estado. A marca deixada pela visão na sensibilidade depende do gôsto, e o gôsto depende do tempo.”

Depreende-se de tais palavras que estamos diante de um juiz, de um magistrado que alinhava fundamentos para com decoro e aprumo preparar o desfecho da irretocável sentença sem espaços, pois, para o duplo grau de jurisdição. Ou seria de um político que, malgrado a linhagem conservadora (no que o termo tem de mais preciso), erige Senado e Câmara como as instituições mais importantes de governo, nada de Palácio do Planalto, nada de Supremo Tribunal Federal, a rua, a avenida é dos dois pratos, um virado para cima de modo a ouvir a voz do povo e o outro, para baixo, paradoxalmente câmara alta, disposto ao convite à reflexão para tomada de decisões sob o signo do temperamento:

http://www.novaenergia.net/forum/viewtopic.php?f=31&t=3404
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“(…) Mas a falta de intimidade, quase diria, de recato, no trabalho, dentro dêsses cubos de vidro, é que me parece defeito grave, e difícil de ser sanado.

“Os edifícios dos ministérios, que se sucedem na avenida do Congresso (viram?), além de muitos pequenos (ao depois, necessidade daqueles horrendos anexos), velho defeito da arquitetura de Niemeyer, cuja experiência, no Ministério da Educação do Rio, nada ensinou, são ambientes pouco propícios à meditação, ao estudo, às severas decisões dos homens de govêrno, conscientes das suas tarefas. São caixas de vidro, abertas, até o solo, à inspeção curiosa dos passantes; abertas ao bulício da rua, sem recolhimento nem privatismo.

“Somente homens pouco afeitos à vida de gabinete, ao fecundo e demorado contacto com o livro, o papel escrito, podem achar possível que se faça um ambiente de trabalho naqueles aquários cintilantes.”

Nesse diapasão, e com os olhos de hoje, poder-se-ia criticar o memorialista pelo ataque à transparência que se deve exigir de todos aqueles agentes que percebem remuneração dos cofres públicos. Tenho que a abordagem encerra mais complexidades. A próxima postagem decerto virá em defesa da assertiva.

 

12 de janeiro de 2014

(038)

mmsmarcos1953@hotmail.com

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