Meu Velha

“Você vai perder seu homem quando ele tiver 30 anos.”

Idos de 1980. Viagem de férias em Olinda, cidade pernambucana
do carnaval de fortes raízes e maravilhoso. Tereza ouviu a apavorante profecia de uma quiromante que exalava convicção. Nada no rosto
de pergaminho daquela mulher de maus bofes, dona do futuro, trazia preocupações com o quadro psicológico de sua quase revel cliente
em face do augúrio. O fato é que a turista de Brasília ficou lívida
pela revelação de que o desenho das linhas de suas mãos significava
o fim próximo do pai de suas duas filhas, uma vida (a partir dali, sobrevida) que só duraria curtíssimos três anos.

Em 1982, um ano antes do desenlace anunciado pelo oráculo
e um ano depois do nascimento do caçulinha, o casal de cariocas volta
à terra natal, avec les três filhos candangos (acho “brasiliense” gentílico preconceituoso e segregador), para estada de seis meses.

Fomos morar em São Conrado, próximo à Praia do Pepino, que entrava na moda salpicada com as pioneiras asas deltas, mas não dispensávamos, aos domingos, a praia do Leblon.

Mitificado pelo noveleiro Manoel Carlos e mistificado pelos pensantes,
o bairro outrora de classe média nos atraía por ser o local onde meus pais haviam morado, na Ataulfo de Paiva, e onde os pais da Tereza residiam, na Afrânio de Melo Franco, endereço do Scala, do Paisandu,
da Cruzada, prédios extremamente simples idealizados pelo saudoso Dom Helder Câmara e para os quais a burguesia e a turma da especulação imobiliária da Cidade Maravilhosa dirigiam rútilos olhares já os imaginando implodidos rapidinho, sem choro nem vela.

Ah, ia me esquecendo: essa importante avenida do hoje luxuoso
e inacessível Leblon desemboca no Clube do Flamengo (é difícil declinar o nome do time das minhas três netas), num terreno imenso, formado em boa parte por aluvião. Aliás, o termo não é adequado, uma vez
que o aterramento não tinha nada de natural, é o que comentavam
as más línguas, talvez com algum fundamento porquanto,
nos jogos de futebol do campo oficial, as bolas chutadas para fora caíam nas margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, ali pertinho, nas imediações, depois foram se deslocando até o estádio de remo.

FIG12post24

Desde aquela época e em dias não úteis, a Delfim Moreira era bloqueada sentido Leblon/Ipanema, destinando-se a via do lado da praia ao lazer
da população. Encontrávamo-nos os cinco meio espalhados, cada um curtindo à sua maneira o dia de sol (“o Rio de Janeiro continua lindo,
o Rio de Janeiro continua sendo…”), quando resolvo me sentar
na calçada que divide as duas pistas. Passados alguns minutos de minha contemplação, olho à direita e vejo um carro saído da Niemeyer
ou do Canal avançando pela rua interditada, em velocidade cada vez maior. Assustadas com aquela invasão do espaço que se supunha tranquilo e seguro, as pessoas na rua havia pouco tranquila corriam para a margem mais próxima de modo a se proteger
do inevitável atropelamento.

Menos meu filho, que estava no calçadão da praia e principiava
a travessia da rua em direção ao pai-coruja, no passinho
de criança de um ano e meio de idade, balançar de pinguim. Num átimo, o que antes era brincadeira e relaxamento virou exatamente o horror de que falava o coronel Kurtz. Seja porque não daria tempo, seja porque a essa altura eu estava transido e inerte como se diante de um felino selvagem, restou-me a expectativa da tragédia iminente e inevitável.
O veículo passou e cadê coragem para olhar o que tinha acontecido.

Logo que pude dar por mim, vi a carinha dele de assustado com o fino que o carro tirou.

Em 1983…

 

20 de novembro de 2013

(025)

mmsmarcos1953@hotmail.com

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