Tiradentes (VI)

Aflorou também um outro medo de infância, por injunções paternas, novamente.

Tratava-se de um cantochão nos moldes do “Boi, boi, boi, boi da cara preta, pega essa criança que tem medo de careta.” Não, era pior, arrupiava mais. Meu pai não se cansava de nos contar a origem de sorumbática cantilena, os irmãos e irmãs invariavelmente apavorados mas desejosos (síndrome de Estocolmo?) de ouvi-la sempre e sempre, fazendo dupla com o “Boi”.

Logo depois da missa dominical na Carangola do início dos anos 30, um bando infantil se formava na porta da igreja e um dos integrantes, o mais sacana, falsamente contrito, segurando a gargalhada, o rosto por isso vermelhão, entoava com voz gutural (mistura de Monsueto com Jamelão), na saída da igreja

Menina da frente
mais alta que eu
espia na pedra o bicho que deu

E o indefectível coro, restante da molecada, parecia que no meio da Praça São Pedro no Vaticano:

Aaaaaveá, veá, vestruz
Aaaaaveá, veá, vestruz.

As beatas se revoltavam e partiam com as sombrinhas para cima dos diabinhos tentando aplicar-lhes um corretivo que desse um basta naquela heresia na veia. Porém, na missa do domingo seguinte, a performance musical voltava à cena, religiosamente (sem trocadilho) – e isso sem esses marginalzitos saberem que estavam fazendo propaganda subliminar dos patronos das escolas de samba do meu Rio de Janeiro, para onde, aliás, muitos deles se mudaram posteriormente, tornando-se quase todos grandes profissionais (médicos, engenheiros, juízes, delegados de polícia, professores).

Falei em três “causos”. Contudo, se os poucos que me leem não se opuserem, pretenderia encaixar rapidamente mais um episódio, reafirmação de como alguns pais e algumas mães são deletérios (os meus não o foram) ao usar o medo como ferramenta de educação, como método pedagógico (Viva a Lei da Palmada), traumatizando os filhos, em alguns casos para o resto da vida.