Meu Velha (II)

… em 1983, retomamos nossa vidinha na HCGN 715.

A casa, adquirida no ano anterior mediante financiamento imobiliário de curto prazo (trinta anos), fora reformada por nós dois à custa
da venda de licença-prêmio e férias. Era toda de piso de pedra, paredes de tijolinho, janelas e portas de ferro estilizadas e vivia sempre cheia
de gente, aumentando a população fixa de cinco moradores, dois adultos e três crianças. Para nossa alegria de assumidos anfitriões, não existia descanso para ninguém, vizinhos apareciam a qualquer hora do dia,
a numerosa parentada se largava para lá nos fins de semana, famélicos todos e todas, papo-cabeça, papo-brabo, fofocas a rodo, tudo em volta
da célebre churrasqueira.

Naquela época, parentes se visitavam.

Um pouquinho de tempo depois, surgia no lar do final da Asa Norte
o povo do teatro, que desandou a frequentar nossas animadas festas.
É que a Tereza já cursava o Dulcina, muitas vezes acompanhada por mim, papagaio de pirata que se sentia um autêntico aluno da faculdade, cujos corredores e salas de aula, coalhados de estudantes de cênicas, de artes plásticas, de dança, eu os percorria com algum desembaraço e satisfação.

Não era sempre que minha mãe ia a nossa casa, meu pai a absorvia muito, afinal de contas se casaram e, juntos, passaram décadas de voga do absoluto machismo, no qual a esposa era uma espécie de assessora, de ajudante de ordens do marido. Mas, quando dava o ar da graça, ela sempre brigava comigo por eu chamar meu filho de “Velha”, dizendo ser aquilo um absurdo pois não havia justificativa para aceitar que fosse omitido um nome tão bonito como Tiago, menino que parecia
se comprazer, decerto pela sonoridade, com o apelido carinhosamente dado pela mãe dele logo após receber o filho das mãos da enfermeira na maternidade. Não adiantaram as reprimendas da mãe/sogra/avó:
nós quatro só o chamávamos assim. Era “Velha” e pronto.

Embora mãe de três filhos pequenos, Tereza permanecia bonita, 28 anos, corpo de “menina do Rio”. Tinha ao seu lado, desde o namoro iniciado em 1973, o parceiro que se apresentava com a força dos seus trinta anos de idade.

Meados de novembro de 1983, sob recomendação de minha cunhada pediatra, Norma Padilha (também tenho uma irmã chamada Norma), levamos o Tiago às pressas para o hospital pois ele vomitava muito e padecia de forte diarreia. Atendido pelo mesmo pediatra (já falecido) que o ajudara a vir ao mundo, dono da clínica (Centro Médico Sul – Quadra 716 – bloco E) em sociedade com o gineco-obstreta que fizera os três partos de cesárea da Tereza, meu filho foi internado na mesma clínica, no mesmo quarto para onde foi logo que viera à luz, em 20
de maio de 1981.

Ficamos eu e Tereza, em revezamento, para lá e para cá, casa/clínica, clínica/casa, no insuportável martírio de qualquer pai e de qualquer mãe para acompanhar filho gravemente enfermo. Dia 20 de novembro de 1983, recebo na 715 Norte um telefonema da minha cunhada médica, voz forte e resoluta, ela e Tereza ao lado do corpo do anjinho.

 

FIG14post26

 

21 de novembro de 2013

(026)

mmsmarcos1953@hotmail.com

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *