Bacenianas (X)

 Enfim, o fim com esta décima jornada.
 
A historinha se passara na Regional do Bacen lá se vão quase cinquenta anos, metade de um século. Se estrelada pelo nosso Ede, ninguém responsavelmente pode garantir. Espanco o fato. Acaricio a pós-verdade (eu não iria mais invocar o termo). Fico com a eventual versão, pois mais importante que o santo é o milagre.
 
Vou lançar na vala comum os personagens desta fábula homofóbica, identificados por “bancarinos”, apelido que adotei para nós, do Banco Central, de razoável aceitação pelos meus pares durante a época em que eu me desincumbia na ativa.
 
O Bancarino II, fascinado por pássaros, construíra viveiro e se dedicava aos pássaros num fervor de causar admiração àqueles gringos e gringas à solta pelos parques de preservação ambiental. Eles, ornitólogos, barbas ruivas, peles cheias de sardas e manchas, chapelões e bermudas cáqui com milhares de bolsos, nos quais guardam cacarecos de uso os mais diversos. Elas, branquinhas também, narizinhos Pitanguy, trajes parecidos, mas femininas e feministas desde criancinhas. Os dois gêneros, máquinas digitais caríssimas penduradas no pescoço, com viagens de estudos científicos por nações africanas segundo nos mostram os documentários dos canais de temática ecológica.
 
Registram os anais da burocracia baceniana carioca que o Bancarino I, um dos malfeitores pertencentes ao bando do Ede, resolveu que chegara a hora de tirar um sarro do Bancarino II. Convocou o resto da organização criminosa, seis bancarinos, e expôs o plano maligno. Alcançou no armário o objeto do delito, uma caixinha de madeira que se abria como os estojos Faber & Castell do colégio de nossa infância, dos quais a gente sente tremenda saudade: lápis pretos ou multicores; caneta de apertar botõezinhos e nossos garranchos (lindas as letras das professoras) saíam em azul, vermelho ou verde (menos); cinco ou seis vidrinhos de tinta guache; transferidor; esquadro; apontador; borracha (ainda sem a proteção de plástico) e o que a Bahia nos deu, régua e compasso.
 
Ansiedade no pico, sentindo-se à frente de um batalhão em combate, Bancarino I determinara aos comparsas se volatizassem, buscando posicionamento estratégico atrás dos armários de madeira escura e dos arquivos de aço. Tudo isso sem piar.

 

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Certificou-se o marechal de que todos se distribuíram em suas casamatas – ordens dadas, ordens cumpridas. Ligou então pro ramal do Bancarino II, que trabalhava em outro setor, três andares abaixo, lamentando-se que continuava com as finanças abaladas (bancarino não pode passar perto de cheque especial, que ele entra), mas que, presente dos  deuses, ganhara valiosíssimo canário e sua intenção era revendê-lo pelo melhor preço. Terminada a ligação, Bancarino II, próximo de morder o prêmio da loto, subiu os seis lances de escada em segundos e adentrou o teatro de operações botando os bofes pra fora. A partir daí, impossível aos fanfarrões acolitados conter os risinhos, por sorte ainda inaudíveis.

Ao tempo que se recompunha da escalada e antes mesmo de fincar sua bandeira no cume, Bancarino II indagara onde se encontrava a joia. Bancarino I, sentado no trono de senhor do destino de todos os viventes daquela sala, cuidou de expandir o sofrimento do colega mediante os famosos requintes de crueldade e o alertou no sentido de que tomasse todos os cuidados no manejo do serzinho acolhido no baú de pinus todo furadinho para permitir entrada do vital oxigênio.

Bancarino II permanecia enlevado no sonho de incrementar  mais ainda seu acervo de pássaros, que aliás houvera sido matéria de revistas especializadas, sempre disputado por colecionadores no Brasil e até no exterior. Pedira ao colega lhe desse a caixa para ver, tendo sido surpreendido pela categórica negativa do vendedor. “Nada disso, o que esse pássaro tem de frágil, ele tem de arisco. Porei a caixa no meu colo e, à medida que for se abrindo, você enfia a mão dentro dela, pega o filhote,  faz a avaliação e me informa quanto vai querer pagar.”

Duplas certeiras: Pelé/Tostão, Romário/Bebeto, Didi/Dedé, Ana Braga/Louro José, Batman/Robin (minha velha mania de antecipar as coisas). Na mesma afinação, os dois bancarinos perdidos numa tarde suja. Tabelinha perfeita – ao menos no iniciozinho do jogo.

Já o Bancarino I iniciava o procedimento de arrastar a tampa, Bancarino II, pari pasu, foi empalmando a preciosidade, temperatura quentinha como a de todo bichinho nos primeiros voos, e tomou-se de um estranhamento (ou familiarização) desde o instante no qual sua mão desorientada sentira que a tal caixa possuía fundo falso e o encorpado passarinho não tinha penas, bico, olhos, pés. Apurando a função, o incauto tateou uma boquinha umedecida, enormes veias e uma capa móvel que se distendia agasalhando a bisnaga durinha, que podia ser tudo, menos um canário roller.

Possesso, macaco novo tirou a mão da cumbuca e, numa cruzada de pernas à la Jânio Quadros, desceu as escadas aos saltos para pegar o três-oitão escondido na gaveta de sua mesa. Arma em punho, subiu tudo de novo, decidido a encher de bala a barriga daquele féladaputa.

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 30/03/2017

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mmsmarcos1953@hotmail.com

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