Memórias/Memorialistas (XLI)

Não tenho visto, porque não têm passado nos jornais televisivos, reportagens acerca do terrível comportamento de alunos agredindo física e moralmente professores e professoras, uma afronta, um desrespeito a quem se sacrificou, a quem estudou para formar pessoas. Todavia, desconheço se de fato é desinteresse da imprensa ou se tal panorama melhorou nas escolas, sejam particulares, sejam públicas.

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Aparentemente, sim.

Daria um braço meu e até uma perna minha para trazer aos nossos dias o Luiz Cândido Paranhos de Macedo.

“Ele sentou pesadamente na cátedra e nós desabamos de medo nas carteiras. Escreveu, assinou. Olhou-nos por cima dos óculos, cabeça baixa, que nem touro; por baixo deles, levantando as narinas, como um hipopótamo; mudou os de vidraça preta por graduados da mesma treva, foi-nos encarando um por um e desmandibulou-se num rio imenso e prenunciador de catástrofes. De repente falou horrendo e grosso. Arrepiadas as carnes e os cabelos numa tonteira, escutamos que ele era o Tifum. Em sou o Tifum – como ocês me chamam, seus patifes! E vou varrer ocês todos, seus canalhas, seus vagabundos, seus vadios assim como tufão na face dos mares! E vai começar hoje! Não saio daqui sem fazer minha caçada e dar, pelo menos, meia dúzia de zeros! Vamos à chamada e, a seu nome, cada um levante-se para eu ficar cónhécendo focinho por focinho.”  

Vê-se que o professor do garoto Pedro Nava não iria tolerar, não iria suportar o tratamento que algumas vezes adolescentes dispensam atualmente a quem está postado lá na frente para ensinar e, como se isso não bastasse, ganhando salários o mais das vezes ultrajantes.

“(…) Para retomar o fio do assunto, devo dizer que o destampatório do Tifum na sua aula inaugural deixou-nos consternados. Aquilo ia ser o diabo! A retomada daquela merda no outro período letivo, até nos vermos livres da fera no exame final. Se conseguíssemos, ai! de nós, certo fadados às reprovações em massa e a sermos aquilo que o professor dizia como se cuspisse, como se escarrasse, regurgitasse, vomitasse, obrasse a palavra – repetentes.”

A turma do Cândido sofria horrores na mão dele. O homem “batia de com força” em toda a meninada, sem dó nem piedade. A continuar na transposição do personagem para a nossa época, teríamos uma chuva de acusações e até ação na Justiça ao argumento de ocorrência de assédio moral. Imaginem o que os pais ou responsáveis não fariam diante do açoite promovido pelo Paranhos, que não aliviava enquanto não desfibrasse os alunos.

Se duvidam, olhem isto:

“Vá se sentar, seu patife! Batata. Ao vencido, a batata. Elas eram dadas com requinte e o nosso Paranhos usava para isto carimbinho especial que mandara confeccionar. E ferreteava com zeros vermelhos, roxos, pretos e azuis segundo queria aviltar mais ou menos o padecente. Deste, víamos um instante a cabeça sem sangue quando ele voltava para a carteira, depois do degolamento. Mas já o verdugo passando adiante, chamava outro condenado favorito.”

Eis o contraponto, a circunstância atenuante, o argumento de defesa de que poderia se valer o temido professor situado como réu no bojo do referido processo judicial: a prova documental de que ele era enganado pelos pestinhas, inclusive o autor desses livros de memórias fascinantes.

“Um dia eu quase borrei de medo. Passei a Geografia de Lacerda e Novais para ele tomar-me a lição (o nosso mestre fazia-o pelo livro do aluno chamado), quando o demônio do homem virando as páginas, descobriu, bem dobradinhas e em letra mínima, três de minhas bem copiadas …. sanfonas. Levantou-as, desfraldou-as, despedaçou-as e rindo, fauces arreganhadas, deu-me dois zeros, um vermelho em comportamento e um roxo em aplicação. Privação completa, seu patife! Vá se sentar (O trabalho que davam as colas para escrever, em caracteres microscópicos; para dispor suas tiras em dois cilindros de que um enrolava e o outro desenrolava, para empilhá-las em plicaturas cujo verso terminava combinando com o anverso; as borrachas de segurança presas ao pescoço e que ao menor alerta! puxavam os corpos de delito manga da farda adentro… Mais fácil seria estudar que preparar esses laboriosos embustes (…)”

Sucede que o professor era muito mais do que se contou até agora nessa viagem pelos textos biográficos do Nava. independentemente de esse eventual levante via concurso da Justiça ser golpe ou não, o Luiz Cândido Paranhos de Macedo sobreviverá conosco em mais uma postagem, quiçá duas. Devido a apego meu, e não dele por óbvio. O professor, com efeito, não irá desembarcar da cátedra agora.

“O curioso é que com estes esparramos todos o Tifum era popular. É que, com o correr do tempo, cada turma ia verificando que aquilo era trovoada seca, trovoada sem chuva e que o Paranhos era o melhor dos homens. O Seu Otacílio nos contou que, depois das aulas, ele ia…”

 

05 de abril de 2016

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mmsmarcos1953@hotmail.com

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