Poemas de uma paulista desgarrada (IX)

Tenho dois filhos e ninguém sabe/
Ninguém conhece./
(…) Poesia come tudo./
Aguardando sol para lavagem.

– Raul Mourão –

Nutro idolatria por relógios, sabendo embora que na atual conjuntura boa parte do pessoal que os admira e coleciona costuma incrementar a aparência ostentando tornozeleira eletrônica (não se sabe se nos primórdios da Justiça e das forças policiais teria existido tornozeleira a corda).

Por óbvio que não se inclui nesse agrupamento de indivíduos monitorados o apresentador Faustão, com seus multicoloridos cebolões. Trata-se de pessoa honesta e de cujas remotíssimas performances iconoclastas morro de saudade. Eram tempos do Perdidos na noite, programa em que troféu era distribuído em clima de deboche e smoking aparecia somente na pele de alguma personagem caricata exposta às câmeras para delírio sádico dos telespectadores (muitos) e telespectadoras (poucas). E o melhor, as propagandas, os reclames, os anúncios dos patrocinadores aconteciam apenas nos intervalos.

Ninguém ali, nos bastidores, ou do outro lado, à frente da telinha sintonizada na TV Bandeirantes (o batismo Band ocorreu bem depois), jamais ouviu falar de Antoni Patek e Adrien Philippe, dupla tida como inventora do relógio de pulso, inicialmente usado apenas por mulheres, atribuindo-se ao nosso Santos Dumont o papel de popularizador da peça entre os homens. Os dois gringos citados fundaram a Patek-Phillipe na primeira metade do século XVIII, empresa portanto mais do que centenária, fabricante de caríssimas joias marcadoras do tempo.


https://www.pragnell.co.uk/pragnell-house/news/175-years-of-patek-philippe-a-big-story-in-three-chapters

Há alguns anos, em viagem pela Europa, minha filha Mariana passaria pela Suíça. Pedi (jocosamente) que visse pra mim um “Patek” (como é chamado pelos íntimos), de preferência numa magasin pas cher, onde o relógio decerto sairia mais em conta. Claro que ela não achava, não achava nada parecido com a carioca Saara ou com a paulista 25 de março. Resolveu então dar uma passadinha numa loja assim nem tão luxuosa à procura da minha encomenda.  Quando enfim avistou o modelo mais baratinho… Fui na sequência por ela informado de que o valor do pecadilho convertido para nossa moeda totalizaria noventa mil reais e uns quebrados (sem trocadilho).

Até hoje não sei o porquê de eu haver desistido da compra. O bom disso tudo é que, com a economia feita, pude comprar um outro relógio, muito mais precioso.

O RELÓGIO DO TEATRO

No relógio tragicômico
Do teatro vazio
O tic-tac marca os passos do ator
O tempo volta voluntariamente
seus ponteiros para trás

Dessa forma toda história futura
era apresentada
de trás pra frente
E o espetáculo se iniciava com aplausos

gran finale
começa com o ensaio
esquizofrênico
das marionetes caducas
com palhaços de alegrias desconstruídas.

(Dazi Antunes – 13/07/2015)

 

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27/12/2018

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