Tiradentes (III)
Recolhido aos meus aposentos imperiais, caminho até a sacadinha. Sinto-me ali um verdadeiro conde – ou melhor, um duque – e pela última vez naquela noite avisto a serena pracinha que acolhera dias antes aclamado festival, o da turma “Me beija que eu sou cineasta” (obrigado, Baixo Gávea); tudo indicava que sinais de vida só seriam dados na manhã seguinte.
Viva o sono dos turistas justos!
Adormeço… mas ruídos no interior do quarto me acordam e me obrigam a levantar da cama para “desativações”: notebook zunindo que nem aqueles pequenos carrinhos de brinquedo (polícia, bombeiro, ambulância) que disparam após a criança (e o adulto que não teve infância) arrastar repetidamente no chão as quatro rodinhas de borracha; frigobar fazendo dueto, o negócio é desplugar o fio da tomada da parede pois a refrigeração acumulada conservaria todos os itens alimentícios; mosquito em pleno sobrevoo, impávido, onipotente, convicto de que eu não aguentaria religar o ventilador do teto, a barca da Cantareira com as asas que, despencadas lá de cima, provocariam carnificina. (Um pernilongo incomoda muito a gente, dois pernilongos incomodam muito mais; três pernilongos incomodam muito a gente, quatro pernilongos… são capazes de destruir o mundo).
Tento dormir. Que cama boa, gente. Como vai, Morfeu?
Mais uma vez, acordo, dessa feita sobressaltado. Não era meu dia. não era minha noite, não era minha madrugada. Robocop, Robocop do mal, o personagem que invadira meu sonho e o tornara pesadelo; ainda pego esse José Padilha (não é parente da Tereza, acho) e qualquer tropa de elite que me apareça pela frente. Levanto-me, recupero-me aos poucos da agonia e vou fechar a porta do banheiro para não mais ouvir o estalar do encanamento dos outros quartos contíguos.
Percebo que uma entidade se aproxima. É a insônia despertando, aprochegando-se, vingança provavelmente daquela minha postagem lá de trás, de mesmo nome, em que ela figura como estrela, dominatrix, a mão que balança
o berço. Há que arrostá-la.
29 de abril de 2014
(061)
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