Memórias/Memorialistas (XXXVII)

Thomas Mann, que se tornou meu amigo, julgando-me um compatriota por ser descendente de mãi brasileira. Conheci-o em Paris, em 1933. Encontramo-nos novamente em Denver, Estados Unidos, em 1940. Foi assíduo colaborador de Anhembi, sendo os seus  artigos traduzidos do alemão por Henrique da Rocha Lima, o grande biologista brasileiro, descobridor do agente transmissor do tifo exantemático. Essas traduções fizeram amigos o grande biólogo e o grande escritor. (Paulo Duarte)

Desconsideremos minha inveja do Paulo Duarte e do Henrique da Rocha Lima, amigos nada mais, nada menos do Thomas Mann, a quem invejo também pela mesma razão, ser amigo daqueles dois. Aliás, vivo fosse o biólogo, já teria descoberto uma fórmula de exterminar o mosquito da dengue que atazana o país inteiro, mormente as regiões mais desfavorecidas de saneamento.

É comum,  muito comum a ficção lidar com viagens no tempo. As ondas gravitacionais (o cara chamado Einstein fez a descoberta há cem anos!) perpassam obras da literatura, do cinema, do teatro e até das artes plásticas. Na sétima arte, divisamos pessoas do aqui e agora lançadas no passado remotíssimo ou em ambientes do futuro inimaginável, onde de início sofrem um certo e previsível estranhamento.

O que aconteceria com o nosso memorialista estivesse ele ainda entre nós? Qual seria a opinião dele quanto ao sexo escancarado bombando (sem trocadilho) nos lugares os mais improváveis? Se continuarmos na trilha do volume 2, “A inteligência da fome”, iremos saber.

http://www.visipix.com/cgi-bin/view?s=5&userid=1009871801&q=mulher&u=2&k=0&l=pr&n=29
http://www.visipix.com/cgi-bin/view?s=5&userid=1009871801&q=mulher&u=2&k=0&l=pr&n=29

“(…) É que sempre tive uma certa repugnância em falar de questões sexuais. Eram, para mim, assuntos discretos que não deviam ser tratados em público. Jamais aprendi a xingar direito com palavrão e, quando meus colegas se juntavam para cochichar sobre certos segredinhos, dos quais se iam inteirando, eu me conservava discretamente, ouvia-os, embora nunca me manifestasse. No fundo o sexo era uma coisa indecente e era melhor deixá-lo de lado. Havia tido na França diversas namoradas, mas um sentimento gostoso, completamente alheio ao sexo, pelo menos pensava eu. Só uma vez me aproximei mais, de uma delas, aquela pequena e linda italianinha que, por cima de um muro, conversou comigo, agarrada a uma das minhas mãos. Depois que ela foi embora para a Itália, algumas outras meninas corresponderam à minha admiração sempre afastadas, mas tudo platônico, sem malícia, embora eu sonhasse viver ao lado de cada uma delas. Senti, entretanto, ao saber, tempos depois, da morte de Laureta, em Nápoles. Como fiquei triste!”

Já é factível deduzir o que pensaria o Paulo Duarte do poliamor, das assumidas relações homoafetivas. Pode-se asseverar que o homem não ouviria com naturalidade os palavrões ditos pelos personagens até das novelas das 6. (A propósito, um dos meus traumas da pré-adolescência se materializou quando, final dos anos de 1960, fui severamente censurado pelos meus pais ao ter empregado, de forma inocente, o termo “babaca” para me referir a um colega meu).

Ao admitir seu retraimento comportamental, o autor deixa escapar observação sobre o racismo do pai, atitude sem embargo corriqueira no seio de quase todas as famílias da classe média e da classe alta durante as primeiras décadas do século XX.

“(…) Contribuía para essa timidez, o fato de raramente chamar atenção de uma menina. Não sei se pelo meu desleixo no vestir (não era à-toa que meu Pai me repreendia dizendo ser pior do que um negrinho de fazenda e me humilhava comparando com o filho do Marconi, dono do hotel ao lado do S. Rafael que vivia sempre direitinho e limpo) ou por causa de minha magreza exagerada, ou mesmo pela minha cara, o fato é que, em geral, as meninas mais bonitas não me davam confiança. Isso me tornou arredio, porque o medo do ridículo inato em mim, me tornava, na aparência, indiferente e até agressivo com elas. E o pior, é que, pela vida afora, eu nunca me tornei agressivo com as mulheres. Todas as minhas aventuras custaram-me um esforço tremendo para vencer o meu acanhamento.”

No tocante a idiossincrasias outras do arqueólogo exilado em Paris, relativas a cheiros, fedentinas, odores do corpo humano, cuido que eu as devia ter inserido nos tópicos “O perfume”, alinhavados neste blog  há mais de ano e meio.

De todo modo, sigam mais um pouco comigo e vocês haverão de concordar em que não se perdeu o momento de trazê-las à luz.

 

28 de fevereiro de 2016

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mmsmarcos1953@hotmail.com

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