Obsessões musicais (XVI)

Qualquer um que já caiu numa piscina ou que teve banheira em casa
quando era criança e tentou ver quanto tempo ficava sem respirar
tem pelo menos uma vaga ideia de como é morrer afogado na água.

Mas como é morrer afogado na lama?

Como é ser arrastada por aquela massa? Como é sentir o impacto,
perder o pé, engolir aquela porcaria toda? Como é tentar lutar por ar
naquela escuridão gosmenta?

– Cora Ronái –

Tá difícil falar de outro assunto.

Brumado é definido pelo Dicionário Informal como lugar onde existe névoa, neblina. Deu nome também a uma cidade da Bahia, a  mil quilômetros de Brasília, curiosamente o local da primeira apresentação no caminhão-palco da Cia. Teatral Mapati, em 1999, numa etapa de abertura dos festejos dos quinhentos anos do nascimento do Brasil que iriam acontecer mais alusivamente em 2000, fechando-se essa temporada do nosso Teatro sobre Rodas em Arraial da Ajuda, Porto Seguro e Cabrália (a “contagem oficial” de nossos registros aponta mais de 150 municípios brasileiros percorridos até hoje para mostrar nosso trabalho cênico).

No transcorrer desse período, estive vezes outras por lá, em viagens particulares, as mais recentes em 2017 e em 2018. Numa coincidência, por essa época também me desloquei em duas oportunidades para outra cidade, situada nas Minas Gerais do meu pai e batizada com um nome simpático e acolhedor, máxime se pronunciado com sotaque mineiro. Os tratadistas da língua portuguesa ensinam que diminutivo é usado para nos expressarmos de modo diferente, podendo representar manifestação de afeto, de amabilidade, de modéstia… e de horror.

Brumadinho é (era?) passagem obrigatória para quem se propõe conhecer Inhotim e as belezas do parque concebido a céu aberto, jardins, quadros, esculturas e instalações artísticas criados por homens e mulheres de espírito elevado.

E o que tudo isso tem a ver com esta postagem? Muita coisa.

Já tendo quase morrido afogado na praia do Leblon em minha adolescência, sei bem da agonia narrada pela Cora Rónai (grande jornalista, filha de grande intelectual, Paulo Rónai) no trecho de artigo dela que lancei ali em cima, na epígrafe. Para nós que ficamos, sobrou-nos entretecer revoltas, amarguras, esperanças. Há os que se salvaram, feridos ou não; há os que feneceram e cujos corpos bombeiros e voluntários enfim resgataram para despedida de familiares e amigos e amigas; e também há os que…

            Tenham vocês em conta que, no Clube da Esquina 2 (um dos Lps/Cds espetaculares da música popular brasileira), o carioca mais mineiro do universo não se refere aos desaparecidos e às desaparecidas na ditadura militar. Milton Nascimento chama avant la lettre  Nena, Pipo, Dora, Pablo, Lilia, amalgamados na lama tóxica que não vale nada.

https://www.youtube.com/watch?v=Uq8vsRgwlQM

Olho d’Água

E já passou, não quer passar
E já choveu, não quer chegar
E me lembrou qualquer lugar
E me deixou, não sei que lá

Não quer chegar e já passou
E quer ficar e nem ligou
E me deixou qualquer lugar
Desatinou, caiu no mar

Caiu no mar, Nena
Pipo, cadê você?
Dora, cadê você?
Pablo, Lilia, cadê você?

Beira Rio
Duas Barras
Morro Velho
Ponte Nova
Maravilha
Buracada
Sumidouro
Olho-D’Água

Caiu no mar, Pedro
Chico, cadê você?
Lino, cadê você?
Zino, Zeca, cadê você?

Vista Alegre
Cruz das Almas
Maroleiro
Asa Branca
Bom Sossego
Santo Amaro
Poço Fundo
Montes Claros
Cachoeira
Mambucaba
Porto Novo
Água Fria
Andorinha
Guanabara
Sumidouro
Olho-D’Água

– Milton Nascimento – 

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10/02/2019

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mmsmarcos1953@hotmail.com

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