Bacenianas (4)

foto: pixabay.com
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Por que retardar mais um pouco o desfecho do vertente tópico? A pergunta, eu a faço a mim mesmo, o único ledor destas linhas, todas elas traçadas sob o brilho da lua nova. Respondo a indagação com a notícia de que a postagem derradeira sofrerá mais um adiamento, desta feita para ceder lugar a um personagem interessante, um figuraça – como se dizia naquela época.

Chama-lo-ei (eita, mais uma do MT) de Ede.

Faixa 40/50 de idade, não era nenhum servidor que se pudesse elogiar pela alta eficiência no manejo das questões ventiladas nos processos em trâmite na Divro, a divisão encarregada da homologação de investidura dos administradores de instituição financeira; de aumento de capital; de incorporação e fusão; em suma, das matérias deliberadas em assembleia geral de acionistas e dependentes de chancela da autoridade supervisora, daí ser subunidade conhecida, na Gemec, por cartório.

Também integrante da turma da saudade (mas sem melancólica subida ao terraço), saudade do Leblon, da rua Aristides Espínola, onde passara boa parte de sua (pitoresca) existência até ser transferido para Brasília, o nosso Ede matava de raiva os nerds e os puxa-sacos e matava de rir o pessoal da Zona Norte, os que, como sabemos, se sentavam na última fileira da sala de aula. De que maneira aconteciam esses homicídios? Melhor, como se operavam esses crimes de lesão corporal?

Ia chegando o meio da tarde e começávamos discretamente a reparar na técnica de nosso rei da sacanagem e da maldade. Entediado com o amarelo da capa dos processos, o personagem com que ora nos ocupamos dava início a uma de suas traquinagens – para dizer o mínimo.

Na cena, primeiramente um dos objetos do crime: o clips, isso mesmo, o clips, também usado como referência por quem era contra e tentava implodir quaisquer medidas, sérias ou não, de contenção dos gastos públicos: “Isso é economia de clips”.

Empunhando um alicatinho maneiro, típico de eletricista cioso da profissão, o Ede pescava o clips e nele prendia a moeda metálica (seria em cruzeiros? Hoje, seria em reais; a de um real), o outro objeto do delito. Subsequentemente, acendia o Ronson e a chama do isqueiro célebre e estiloso circundava o item de escritório em movimentos regulares, meticulosos e precisos de modo a esquentar o objeto redondo e igualmente metálico, a moeda, cuja distribuição, via bancos,  ao público em geral incumbia, e incumbe, ao Departamento do Meio Circulante, o Mecir, a unidade do Bacen responsável pelo numerário do país.

Fogo do capeta, cor alaranjada, à semelhança dos ferros de marcar gado, a moeda era retirada do clips (cromado? Não me lembro, só sei que prateado; o de cor dourada, acho, apareceu depois) e dolosamente lançada da altura do décimo-terceiro andar (seria décimo-quarto andar?). A bichinha quase em derretimento e disforme quicava solertemente na calçada do SCS, lá embaixo, onde servidores públicos e comerciários transitavam. Em pouquíssimos segundos, o cardume era vasto, surgia o incauto se achando o sortudo da humanidade. Era o coitado apanhar a moeda do Tio Patinhas no chão e o grito de dor era ouvido lá de cima pela turma de bancarinos comandada pelo Ede. Tivéssemos um binóculo e movidos pelo deboche sádico, veríamos em close o desespero do infeliz a agitar os braços tentando se livrar da moeda incandescente já envolta por um belo pedaço de pele, pele não tão grosa, pele da palma da mão, onde as ciganas quiromantes fazem a festa em troca de alguns reais. O gajo olhava para cima, xingava o prédio (Edifício União) todinho e, sem trocadilho, saia fumegando.

Até para não ter de ir urgentemente buscar socorro num hospital de queimados, largarei a moeda uma brasa, mora. Mas o Ede não vou largar agora, não.

 

17/11/2016

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mmsmarcos1953@hotmail.com

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